A
redução no repasse da União para estados e municípios em 2012, em
função da queda na arrecadação federal e das políticas de incentivos
fiscais do governo Dilma, trouxe de volta à pauta política o debate
sobre o chamado Pacto Federativo brasileiro.
Governadores
e prefeitos, inclusive aliados do governo, vêm reclamando intensamente
da redução das receitas, o que levou estados e cidades a ficar em
situação dramática para honrar os compromissos assumidos. No caso dos
municípios, a grita foi ainda maior por este ano ser o último dos atuais
mandatos dos prefeitos. Muitos derrotados atribuíram o resultado
eleitoral à redução dos recursos federais.
A situação financeira
piorou a partir da crise internacional de 2009, quando, após anos de
bonança e recordes na arrecadação dos impostos federais que fazem parte
do rateio com estados e municípios, os repasses caíram muito. Para
conter os efeitos da crise internacional, os governos Lula e Dilma
tomaram medidas econômicas que consistiram, em grande parte, na
desoneração de vários setores da economia. Segundo anúncio feito na
terça-feira pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, as desonerações
somente em 2012 somarão R$ 45 bilhões, quase o mesmo valor do Fundo de
Participação dos Estados (FPE) de 2011, que fechou o ano em R$ 48
bilhões.
As desonerações afetam sobretudo o IPI, o Imposto sobre
Produtos Industrializados, e por isso impactam diretamente no FPE, que é
formado por percentuais do IPI e do Imposto de Renda (IR) arrecadados
pela União. No início dessa política de desonerações, o Palácio do
Planalto se mobilizou para dar compensações, o que não ocorre mais.
Perfil de gastos é problema central
Para
especialistas ouvidos pelo GLOBO, o problema não é exatamente a queda
de repasse. Segundo os estudos, desde 1997 os repasses quase sempre
registraram aumento acima da inflação. Ainda que esses valores pudessem
ser maiores sem as desonerações, os especialistas são unânimes em dizer
que o problema central é o perfil dos gastos estaduais e municipais.
Sempre
que a arrecadação de impostos do governo federal cresce, os repasses
também aumentam. Mas, enquanto a União tem margem para usar esse
dinheiro com políticas públicas e investimento, estados e municípios têm
usado grande parte desta receita para fazer funcionar programas
nacionais, cumprir as premissas da Constituição para investimentos em
Saúde e Educação e contratando mais pessoal. A consequência disso é a
criação das chamadas despesas continuadas, ou seja, que não podem ser
canceladas depois.
— Criou-se no Brasil, lamentavelmente, um
quadro onde os estados federados estão perdendo receita, perdendo
autonomia, perdendo competência e, em contrapartida, tendo despesas
agravadas que eles não têm como fazer frente — diz o governador de Minas
Gerais, o tucano Antonio Anastasia, que pretende tomar a frente de um
movimento em defesa de novo pacto federativo.
Novas regras têm de ser aprovadas este ano
A
pauta financeira do Pacto Federativo explodiu este ano no Congresso,
mas ainda sem resultados práticos. O Congresso poderá fracassar
definitivamente se não votar os novos critérios para a distribuição dos
recursos do FPE. O Supremo Tribunal Federal (STF) considerou
inconstitucional os atuais critérios e, em 2010, determinou que o
Legislativo aprovasse até o fim deste ano as novas regras para valer a
partir de janeiro de 2013. Caso a medida não seja aprovada nas próximas
semanas e o Supremo não mude seu entendimento, muito estados podem abrir
o ano sem recursos para pagar sequer o funcionalismo.
A questão
financeira, no entanto, não é a única face dessa disputa. Governadores
reclamam da redução de sua influência política nos municípios,
especialmente em função das políticas incentivadas a partir do governo
Lula, que passaram a firmar convênios diretamente com as prefeituras,
sem qualquer interferência dos governos estaduais.
— Estados e
municípios estão pedindo socorro. A União deixou de repartir a Cide (o
chamado imposto do combustível) e ano que vem o repasse vai ser zero
para os estados. O FPE caiu 20% por causa da redução do IPI. Quando os
estados fazem uma política de desoneração com renúncia fiscal, é guerra
fiscal. Mas quando o governo federal abre mão do IPI para socorrer um
setor, o automobilístico, é política de manutenção de empregos? Isso
está errado e tem que ser corrigido! —protesta o governador do Ceará,
Cid Gomes (PSB), aliado da presidente Dilma.
— A desoneração que o
governo faz teria que ser linear. Como ela é feita hoje, por setores
que não têm presença em todo país, favorece uns estados e outros não —
avaliou recentemente o governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB).
Para o o senador Francisco Dornelles (PP-RJ), ex-secretário da Receita Federal, essa é a fonte do problema:
—
A grande distorção que ocorreu nos últimos anos é que a União reduziu
as alíquotas dos impostos que são partilhados com estados e municípios.
O
economista Gabriel Leal de Barros, especialista em finanças públicas do
Ibre/FGV e autor de um recente estudo sobre pacto federativo no Brasil,
explica que os impostos que fornecem as principais receitas que
alimentam o FPE e o FPM são o Imposto de Renda e o Imposto sobre
Produtos Industrializados. Mas ao longo dos anos, o maior esforço de
arrecadação do governo federal tem recaído sobre as chamadas
contribuições sociais — Contribuição sobre o Lucro Líquido (CSLL), PIS
Cofins, CPMF (até ser extinta em 2008) e CIDE-Combustível —, que não
precisam ser repassadas para estados e municípios.
Ou seja, o
governo é o dono das contribuições sociais e costuma até elevar suas
alíquotas para aumentar sua receita. Mas, por outro lado, faz isenções
em cima do IPI, o que afeta em cheio o rateio com estados e municípios.
Segundo
cálculos da FGV, de 1997 a 2011, a arrecadação com impostos federais
subiu 1,9 pontos percentuais, algo como R$ 203 bilhões, enquanto a
arrecadação do contribuições sociais subiu 2,1 pontos, chegando a R$ 175
bilhões.
O economista José Roberto Afonso considera que a União
precisa ser mais generosa na divisão dos tributos, incluindo no bolo do
FPE e do FPM as contribuições sociais, e não apenas IR e IPI.
—
Este é o maior problema e está claro há anos. O ideal é ampliar a base,
pegando todos os tributos federais. A Federação existe, o que se discute
é se ela pode ser mais ou menos descentralizada, ou seja, como você
lida com a distribuição de recursos públicos. É preciso discutir o
tamanho do bolo e como se distribui este bolo — disse José Roberto.
Atualmente,
no rateio feito pela União entre estados, os que mais perdem são os que
mais contribuem, como Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, o
Distrito Federal e os do Sul. No ano passado, por exemplo, o Rio
repassou R$ 114 bilhões para o governo federal. Em troca, recebeu de
volta R$ 730 milhões (0,6% do total).
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