O que se viu ontem, no que pode ter sido a penúltima sessão do
Supremo Tribunal Federal do julgamento do mensalão, foi uma tentativa de
não ferir suscetibilidades no Poder Legislativo com relação à perda dos
mandatos dos parlamentares já condenados no processo.
Houve a
preocupação de preservar a independência dos Poderes da República, mas
também a de deixar claro que, em matéria constitucional, a última
palavra é do Supremo.
Há consenso no sentido de que a condenação
em processo criminal não é causa automática de perda de mandato e que é
preciso adicionar às penas já aplicadas a perda dos direitos políticos,
para que o parlamentar condenado possa perder seu mandato.
Aparentemente
há unanimidade para condenar à perda dos direitos políticos os
parlamentares do mensalão, mas o passo seguinte é que provoca
discussões. Com o quarto voto a favor da cassação do mandato, dado pelo
ministro Marco Aurélio Mello, a tese deve sair vitoriosa, pois o
ministro Celso de Mello, que deverá concluir a votação amanhã, já deu
opiniões no correr do julgamento que levam a crer que votará com o
relator Joaquim Barbosa.
Os casos de parlamentares condenados que
ainda exercem mandatos são uma demonstração de que o Supremo entende que
a simples condenação não é suficiente para a perda de mandatos. Como os
recursos não foram esgotados, a condenação não transitou em julgado.
Nesses
casos, quando se esgotarem os recursos, a perda de mandato será
decidida pelo plenário da Câmara “por voto secreto e maioria absoluta,
mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político
representado no Congresso, assegurada ampla defesa”.
Já no caso
dos parlamentares punidos com perda ou suspensão dos direitos políticos,
de acordo com o mesmo artigo 55 “a perda (do mandato) será declarada
pela Mesa da Casa respectiva, de ofício ou mediante provocação de
qualquer de seus membros, ou de partido político representado no
Congresso Nacional, assegurada ampla defesa”.
Quer dizer, ao
perder os direitos políticos, o parlamentar perde automaticamente seu
mandato, sem que seja necessário um pronunciamento do plenário.
O
argumento da ministra Rosa Weber foi que a perda de mandato depende de
expressa manifestação dos que o conferiram, ou seja, do próprio povo,
por meio dos seus representantes. Segundo ela, o que está sendo
protegido é o direito dos próprios eleitores, não um direito subjetivo
do representante eleito.
Em oposição, o ministro Celso de Mello
resumiu: “Ninguém pode titularizar um mandato eletivo e sequer nele
investir-se sem estar no pleno direito político, não tem sentido em
situações como esta, que o tribunal desconsidere esta absoluta
incompatibilidade entre a posição prisional de um congressista e o
exercício do mandato parlamentar”.
O ministro Gilmar Mendes
acrescentou, na mesma linha: “Agora, temos a possibilidade de um
deputado preso com trânsito em julgado, mas com mandato. Vejam que
tamanha incongruência”.
O relator Joaquim Barbosa deu seu ponto de
vista, sempre direto: “(...) Causa-me espécie e desconforto que uma
pessoa condenada possa exercer mandato parlamentar. (...) Este caso é o
mais grave que pode ocorrer. (...) Há situações em que um juiz criminal
não decreta perda de mandato. Agora dizermos ao Congresso que uma pessoa
condenada por peculato, corrupção ativa pode exercer o mandato
parlamentar? Isso se choca com nosso papel de guardiões da
Constituição”.
A ministra Cármen Lúcia foi quem melhor definiu a
situação: “(...) Estamos todos a discutir é simplesmente como
interpretar a Constituição e que a condenação prevaleça com todos os
seus efeitos”.
Para ela, o Supremo estará cumprindo seu papel
condenando os parlamentares à perda dos direitos políticos “e esperamos
que o Congresso cumpra as suas”.
O ministro Marco Aurélio Mello
foi mais longe. Pediu condenação “completa”, formalizando a perda de
mandato não só dos que o exercem hoje “como também os demais, que possam
vir a buscar mandato como escudo ou possam se candidatar ou ser
designados para funções de confiança no cenário público”.
O
ministro Luiz Fux lembrou que no estado democrático de direito as leis
sofrem “certa mutação funcional”, inclusive pela iniciativa popular,
citando a Lei da Ficha Limpa, “que mudou um paradigma sobre a
inelegibilidade a partir de uma condenação não transitada em julgado”.
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