Foi publicado no Diário Oficial da União na semana passada o ato
declaratório nº 18 do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz),
que regulamenta a alíquota de 4% do Imposto sobre Circulação de
Mercadorias e Serviços (ICMS) nas operações interestaduais com produtos
importados. Esse era o último passo a ser dado para garantir o fim da
guerra dos portos a partir de janeiro. A guerra dos portos é apenas uma das faces da guerra fiscal, conflito
federativo quase tão antigo quanto a criação do ICMS, tributo que é uma
das principais fontes de receita de Estados e municípios e representa
cerca de 20% da arrecadação do país, equivalente a 7% do Produto Interno
Bruto (PIB). Para atrair empresas para seus territórios, alguns Estados
passaram a cobrar nas operações interestaduais alíquotas de ICMS
inferiores às acordadas no Confaz, configurando uma competição desleal.
Os Estados prejudicados começaram a glosar os créditos concedidos pelos
outros, criando um nó jurídico difícil de desatar. Na variante da guerra dos portos, alguns Estados cobram ICMS
interestadual mais baixo das mercadorias importadas que entram no país
por meio dos seus portos e vão para outras regiões. Esse incentivo chega
a proporcionar uma redução de 9% do preço do produto importado em
relação ao nacional, calculou o economista e diretor da LCA Consultoria,
Bernard Appy, em artigo publicado no Valor (27/3). O ICMS menor para os produtos importados incentiva as compras no
exterior e contribui para enfraquecer a indústria nacional, já afetada
pelo custo Brasil, câmbio valorizado, custo do dinheiro elevado e
excesso de oferta mundial, prejudicando sua capacidade de competir no
mercado doméstico e no exterior. Certamente é um dos motivos da queda de
4,9% da produção da indústria de transformação observada desde o início
de 2011. Desde 2010 o Senado debate o assunto, mas somente no início deste ano
chegou-se a um acordo - apesar da resistência de Estados como Santa
Catarina, Espírito Santo e Goiás -, que resultou na Resolução nº 13, que
criou a alíquota unificada de 4% nas operações interestaduais com
produtos que apresentem conteúdo de importação superior a 40%, mesmo que
submetidos a processo de industrialização. Vários empecilhos
burocráticos e técnicos foram superados até a publicação do ato
declaratório na semana passada. Mas foi forte a pressão contrária, que
uniu não só os governos dos Estados prejudicados, mas também a indústria
e as centrais sindicais. Melhor ainda é que a custosa solução da guerra dos portos pode ser o
prenúncio do fim da própria guerra fiscal, que está exigindo uma
negociação ainda mais trabalhosa e a solução de interesses contrariados
de todos os lados, incluindo os dos Estados mais poderosos da União. O secretário executivo do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa,
anunciou terça-feira, após reunião com todos os secretários do Confaz,
que a presidente Dilma deve assinar na próxima semana uma medida
provisória que não só reforma o ICMS interestadual como também muda o
indexador das dívidas de Estados e municípios com a União. A proposta do
governo é que o ICMS interestadual seja unificado em 4%, mas dentro de
oito anos, para dar tempo de adaptação aos Estados. Atualmente, o ICMS é
de 7% nas vendas da região Sul, de São Paulo, Minas e Rio de Janeiro
para as regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Espírito Santo, e de 12%
no sentido inverso. Os Estados contarão também com o apoio de dois
fundos a serem criados pelo governo federal, um de compensação de
receitas e outro que substituirá os atuais incentivos. Em relação às dívidas, já a partir de janeiro serão corrigidas pela taxa básica de juros (Selic), limitada a IPCA mais 4%. Apesar de as propostas terem amadurecido bastante, ainda há muitos
pontos sem acordo, como o limite à correção das dívidas, o prazo de
adaptação dos Estados à alíquota menor do ICMS e o tamanho da própria
alíquota. Mas há concordância em torno da ideia geral e o governo
federal está na melhor posição em muito tempo para negociar. A redução
dos juros tornou a mudança do indexador das dívidas estaduais e
municipais com a União um poderoso instrumento de barganha. O governo
não pode perder essa oportunidade porque, como disse o próprio
secretário da Fazenda, a insegurança jurídica "está prejudicando os
investimentos no país".
Fonte: Jornal Valor Econômico
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