A festa da posse dos novos prefeitos eleitos no ano passado terminou
antes da hora em muitos municípios brasileiros. Em cidades do Norte ao
Sul do país, as prefeituras foram assumidas em cenário de penúria, com
dívidas milionárias e até mesmo sem energia elétrica. Com o rombo em
caixa, os novos prefeitos chegam até mesmo a pedir ajuda aos
contribuintes para saldar débitos feitos pelos responsáveis por gestões
passadas.
No estado do Rio, a prefeita eleita de Rio Bonito, Solange Almeida
(PMDB), não pode receber chamadas telefônicas da Secretaria de Saúde,
pois o serviço está cortado. O fornecimento de energia elétrica da sede
da prefeitura e da Secretaria de Obras só não é interrompido por conta
de uma liminar e servidores não receberam o salário de dezembro.
Na mesma cidade da baixada litorânea, José Luiz Alves (DEM), o
ex-prefeito, recebeu no dia 28 de dezembro um benefício retroativo de
quase R$ 56 mil, além do salário e 13º. Ele, que não atendeu a
reportagem, saiu do cargo com quase R$ 92 mil no bolso. E não se
esqueceu de seus vice-prefeito e secretários, que também receberam,
retroativamente, um aumento concedido pela Câmara Municipal em 2010,
que era questionado na Justiça.
- A situação é muito difícil. O telefone cortado, a luz com
liminar... E o caixa só com R$ 1 milhão para pagar as contas da
prefeitura - diz Solange Almeida.
A verba disponível da prefeitura, em caixa, é de R$ 1,2 milhão, e a dívida do município de aproximadamente R$ 21 milhões.
São Gonçalo: dívida de R$ 60 milhões na Saúde
Em São Gonçalo, o prefeito Neilton Mulim (PR) decretou estado de
emergência na Saúde por causa da dívida de R$ 60 milhões. Na última
segunda-feira, por falta de soro, gaze e outros insumos básicos, os
hospitais municipais de emergência chegaram a fechar as portas.
- Eu não imaginava encontrar uma situação tão caótica. Sabia que o
Ministério da Saúde havia avaliado São Gonçalo como o pior município do
estado do Rio na área da saúde. Mas não imaginava algo assim - relata o
prefeito, ao informar que as unidades já foram reabertas.
Na cidade, com um milhão de habitantes, há apenas um neurocirurgião.
No caso de Cachoeira Paulista (SP), a 193 km de São Paulo, o
prefeito João Luiz (PT) também assumiu o cargo com os telefones da sede
municipal fora do ar por falta de pagamento. Os salários dos
servidores públicos estavam atrasados e a frota da prefeitura
sucateada.
Em Holambra, também em São Paulo, o prefeito Fernando de Godoy (PTB)
chegou para trabalhar e encontrou salas sem mobília e computadores
incompletos. Para conseguir quitar os débitos, o prefeito pediu a
colaboração da população para que pague o Imposto Predial e Territorial
Urbano (IPTU) dentro do prazo de vencimento.
- Os prédios públicos ficaram sem manutenção e estavam deteriorados.
Nós encontramos até mesmo fezes de rato e baratas em escolas públicas -
relata o prefeito.
O presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), Paulo
Ziulkoski, estima, com base em dados de fornecedores e folhas de
pagamento, que até 4 mil prefeituras, de um total de 5,5 mil, podem não
ter cumprido no ano passado a Lei de Responsabilidade Fiscal, que
estabelece normas para o controle dos gastos públicos. Um estudo
promovido pela entidade mostrou que 97,37% dos prefeitos que encerraram a
gestão no ano passado estavam com dificuldades para cumprir o que
determina a lei, a um mês do encerramento do mandato.
No Piauí, caixa de prefeitura tem R$ 0,90
A Lei 10.028/2000, de crimes contra as finanças públicas, prevê,
entre outras punições ao gestor que descumpre a legislação, desde penas
pecuniárias até sanções penais, como suspensão dos direitos políticos e
prisão. O município também pode ficar impedido de receber
transferências voluntárias do governo federal. Paulo Ziulkoski avalia
que a má gestão dos recursos públicos é um dos motivos que explica a
penúria de alguns municípios brasileiros, mas reclama também da falta
de apoio de estados e União.
- Nas prefeituras do Nordeste, por exemplo, a média é de que 39% das
pessoas recebem salário mínimo. Só que o governo federal, quando
aumenta o salário mínimo, não pergunta aos municípios se eles podem
pagar. Só o impacto nos últimos anos foi de R$ 16 bilhões nas
prefeituras do país. Como o prefeito cumpre com isso? - critica
Ziulkoski.
No Piauí, o maior impacto do abandono de prefeituras é na Saúde.
Faltam médicos tantos em hospitais quanto nas equipes do Programa Saúda
da Famílias (PSF).
O prefeito do município de Avelino Lopes (800 km de Teresina),
Dióstenes José Alves (PP), afirma que encontrou R$ 0,90 nos cofres
públicos, porém há um jardineiro que ganha R$ 2,4 mil, enquanto o
salário dos outros servidores é de R$ 622,00.
- As contas estavam bloqueadas - diz Dióstenes José Alves, cuja
cidade sobrevive do dinheiro repassado por meio do Fundo de
Participação dos Municípios (FPM).
O prefeito do município de Monte Alegre do Piauí (800 km de
Teresina), Davinelson Rosal (PSB), conta que recebeu a prefeitura em
estado de calamidade. Ele sustenta que faltam até seringas e soro
fisiológico. O hospital atende cerca de 50 pacientes por dia.
Em Aroazes do Piauí, a 226 km ao sul de Teresina, Tomé Portela (PTB)
precisou usar uma vela para entrar na prefeitura porque não havia
energia elétrica no prédio. Quando chegou, viu o cofre do gabinete do
prefeito arrombado com um pé-de-cabra. Os 620 servidores municipais
estão com salários atrasados desde outubro do ano passado.
- Não temos nem como nos comunicar por falta de linhas telefônicas,
que também estão com as contas atrasadas - conta Jean Portela, irmão do
prefeito.
A administração do prefeito de Palmeirais (PI), Paulo César
Vilarinho, do PTB, foi iniciada com a constatação de irregularidades
administrativas e financeiras. A Secretaria de Finanças apura um saque,
em dezembro, de R$ 520 mil do Fundeb, o principal recurso da Educação
para pagar professores. Ficaram nos cofres públicos apenas R$ 220 mil.
Em Pernambuco, o Ministério Público e o Tribunal de Contas do Estado
advertiram os prefeitos em fim de mandato: era preciso deixar a casa
em ordem. Porém, o que se vê são repartições sucateadas, hospitais sem
condições de funcionamento e computadores desaparecidos ou sem
informações.
É o caso de Lajedo, a 196 quilômetros da capital, onde o prefeito
Rossini Blesmany (PSD) decretou "estado de emergência administrativa e
financeira" por 90 dias para contratar bens e serviços essenciais sem
licitação. Ele deu início a uma auditoria na prefeitura, marcada,
segundo ele, por uma série de suspeitas de irregularidades. E informou
que o antecessor não deixou nenhum arquivo relativo a execuções
financeiras, inclusive quanto à execução de convênios e programas de
caráter continuado. Como resultado, o município do agreste estava há 90
dias sem varrição. A poucos dias do início do ano letivo, foram
encontradas escolas sem telhado, banheiros utilizados como depósitos,
vasos sanitários arrancados e falta de material nas cantinas.
Fonte: Jornal o Globo
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