Dilma´s "little way"

Recuperar credibilidade, principalmente em um ambiente competitivo e cheio de incertezas, não é uma tarefa fácil. O Brasil, na segunda metade da década de 90, deu passos gigantescos nessa direção recuperando não apenas a confiança de investidores e mercados internacionais, mas também a de seus próprios eleitores que voltaram a acreditar na capacidade do governo de sinalizar crivelmente na gerência de sua economia. Artimanhas contábeis e/ou jeitinhos altamente criativos, que beiravam a ilegalidade, foram substituídos por controle inflacionário e responsabilidade fiscal.

A consistência desta política aumentou a transparência e a confiança de que o Brasil estaria na rota da boa governança. Na realidade, o salto de qualidade das contas públicas brasileiras foi grandioso. Como destacado por Barros e Afonso (2012), desde o registro de superávit primário negativo em 1997 e que passou para patamar positivo e superior a 3% do PIB a partir de 2002, o equilíbrio fiscal perseguido garantiu a redução de 17 pontos do PIB (de 52% para 35%) da dívida líquida do setor público.

O governo Dilma Rousseff seguindo a fórmula de seu antecessor, sob a alegação de mitigar os efeitos negativos da crise econômica internacional de 2008, tem flertado com o perigo ao se valer de contabilidades criativas para cumprir suas metas de superávit primário, em especial a de 3,1% do PIB em 2012. Na edição de 15 de janeiro de 2013, o "Financial" Times ironizou as tentativas do governo brasileiro em encontrar "little ways" para driblar restrições fiscais. Embora aqueles que se utilizam de truques e engenharias contábeis possam visar benefícios de curto prazo, tais jeitinhos tem o potencial de gerar custos crescentes de credibilidade aos principais alicerces que possibilitaram o Brasil não apenas equilibrar as suas contas como também implementar políticas de inclusão e proteção social.

Com jeitinhos fiscais não chegaremos lá

É importante ressaltar que o uso de contabilidade criativa não é novidade no Brasil. Especialmente a partir de 2010, as receitas consideradas atípicas (capitalização de bancos e empresas públicas como a Petrobras, bem como da expansão das operações de financiamento do BNDES e Caixa Econômica Federal) têm contribuído de forma decisiva para as distorções criativas no superávit primário.

Muito já se falou sobre o uso de manobras contábeis pelo governo. É surpreendente, entretanto, a ausência de análises sobre os determinantes políticos desse comportamento oportunista. Por exemplo, na esfera subnacional, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) delegou competência aos tribunais de contas Estaduais (TCE), como controladores externos, para auditar e fiscalizar o cumprimento da Lei. Entretanto, a performance da LRF não é homogênea entre os Estados brasileiros. Por exemplo, em pesquisa empírica desenvolvida em parceria com Marcus Melo e Saulo Souza, demonstramos que existe uma grande variação de contabilidade criativa através do uso de restos a pagar entre os Estados. Esses são tipos de gastos cujos pagamentos são adiados para serem feitos no próximo ano fiscal. Ou seja, através desse tipo de contabilidade criativa, Estados "cumpririam" os parâmetros estabelecidos na LRF adiando assim os seus respectivos impactos nos seus balanços primários.

O que explicaria a variação no uso estratégico de restos a pagar entre os Estados? O fator chave está justamente no grau de ativismo dos tribunais de contas, medido pelo número de auditorias por unidade jurisdicionada. Um maior grau de ativismo dos tribunais de contas, por sua vez, seria decorrente da presença de auditores de carreira e de representantes do Ministério Público no pleno do tribunal.

Os tribunais de contas estaduais, embora autônomos, não são imunes aos interesses dos legisladores e do governador do Estado, que decidem a composição do seu pleno. Portanto, em Estados com alta competição política, medida através da maior alternância das elites políticas no poder, é esperada uma menor influência dos políticos nas atividades do tribunal. As evidências dos testes empíricos demonstram que há maior uso de restos a pagar onde tribunais de contas são dóceis e pouco ativos. Ou seja, a maior qualidade institucional dos tribunais de contas é associada ao menor uso de restos a pagar pelos Estados brasileiros.

Entretanto, na esfera federal os mecanismos institucionais de controle externo da LRF não foram implementados. Com a ausência de regulamentação de certos dispositivos institucionais, o governo federal segue à margem de qualquer controle. O projeto de criação do Conselho de Gestão Fiscal, que poderia servir como uma instância de controle externo, está tramitação há 12 anos na Câmara dos Deputados, porque não interessa ao governo federal conviver com tal restrição. Na ausência dessas restrições institucionais, tem havido retrocesso, sobretudo no que diz respeito à transparência fiscal com o uso de artimanhas contábeis e à ausência de limites para a dívida pública.

Pode-se dizer, contudo, que a LRF foi uma iniciativa bem sucedida do governo federal ao atar as mãos de governadores e prefeitos. No entanto, deixou as suas próprias mãos livres para potenciais desvios oportunistas no futuro. Desta forma, a LRF ilustra a capacidade de um executivo federal poderoso em implementar suas preferências de políticas fiscais, recentralizando a autoridade fiscal no país e, consequentemente, restringindo a autonomia fiscal dos Estados e municípios.

O Tribunal de Contas da União (TCU), embora não tenha formalmente sido chamado a controlar o comportamento fiscal do governo federal assim como foram os TCEs, já questionou a Secretaria do Tesouro Nacional a respeito do não pagamento de cerca de R$ 20 bilhões do Programa de Sustentação do Investimento (PSI), através do Acordão 3071/2012. Parece tímida tal iniciativa, mas sinaliza que o TCU poderia exercer um papel decisivo na restrição de ações irresponsáveis do Executivo federal no uso e abuso de jeitinhos contábeis, que não cabem mais em um país em real rota de desenvolvimento.

Fonte: Jornal Valor Econômco.

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