Um amigo, Arildo Dória, passando há alguns anos por uma cidade do
interior de Goiás encontrou uma placa curiosa. A tábua de madeira,
pregada no meio de duas estacas, anunciava a reforma da praça, o custo
da obra e a origem dos recursos, diretamente atribuída ao “Povo de Padre
Bernardo”.
Diante da frase inusitada, Arildo, velho comunista,
sentou-se em um banco que ainda restava no local para refletir sobre a
forma da divulgação.
De fato, convenhamos, é mais correto
relacionar a origem dos recursos ao povo do que aos governos federal,
estaduais ou municipais, como insinuam os políticos nos outdoors sobre
as obras públicas.
O Estado, por si só, não gera um centavo.
Apenas administra os impostos, taxas e contribuições que as pessoas
físicas e jurídicas pagam.
Assim sendo, nada mais natural do que a população saber com detalhes como está sendo gasto o seu dinheiro.
Como
consequência da Lei Complementar 131 — de autoria do senador João
Capiberibe —, a partir de 27 de maio próximo todos os 5.568 municípios
brasileiros deverão ter as suas contas disponibilizadas na internet. Até
então, somente as prefeituras com mais de 50 mil habitantes estavam
obrigadas a fazê-lo.
No Rio de Janeiro, por exemplo, prefeitos de
55 cidades deverão inaugurar ou aprimorar os portais existentes, se é
que ainda não o fizeram. Dentre essas localidades estão Arraial do Cabo,
Búzios, Miguel Pereira, Parati, Vassouras, entre outras frequentadas
pelos cariocas nos fins de semana.
É provável que alguns prefeitos
coloquem empecilhos para o cumprimento da “novidade”, que já estava
programada há quatro anos, quando da publicação da lei. Neste caso, os
estados e as prefeituras de maior porte poderão colaborar com os
pequenos municípios para que os portais tenham qualidade e o menor
custo.
Na verdade, os políticos gostam de muita transparência, mas
nos governos dos adversários. No entanto, se os recém-eleitos ou
reeleitos quiserem mesmo ser transparentes, deverão colocar nos sites de
suas cidades as agendas diárias, os plantões dos médicos nos hospitais,
o que a prefeitura comprou, por quanto, de quem, em que quantidade, o
nome dos funcionários públicos com os respectivos cargos e salários,
entre muitas outras informações relevantes para o controle social.
Para
a lei ser cumprida, não bastará o site municipal conter o currículo e a
foto do prefeito, o telefone do Corpo de Bombeiros e outras informações
do gênero. O detalhamento será fundamental para que sejam multiplicados
os “auditores”, o que irá aprimorar as administrações públicas.
No dia a dia, vários problemas serão minimizados com a fiscalização dos próprios cidadãos.
A
título de exemplo, na 36ª edição do Programa de Fiscalização a partir
de Sorteios Públicos, realizado pela CGU, foram encontradas
irregularidades no Programa Bolsa Família em todos os 24 municípios
examinados, do cadastro desatualizado à frequência escolar.
Entre
os beneficiários havia proprietários de oficina, salão de beleza, sítio,
moto e camionete F4000, além de centenas de funcionários públicos que
não se enquadravam nos requisitos do programa.
Em Arraial do Cabo,
por exemplo, existiam 397 beneficiários pertencentes a famílias em que
pelo menos um membro tinha vínculo empregatício, até mesmo com empresas
públicas e sociedades de economia mista. Dentre os espertalhões, 75
servidores vinculados à própria Prefeitura Municipal de Arraial do Cabo.
O
fato não é inédito. Em outras 14 cidades foram identificados
funcionários públicos com evidências de renda per capita superior à
estabelecida na legislação do programa.
Na cidade de Santana (PE),
por exemplo, foram encontrados 99 bolsistas empregados na esfera
municipal, 62 dos quais na própria prefeitura.
Com os novos
portais, bastará haver a divulgação simultânea do nome dos servidores
públicos e dos favorecidos pelo Bolsa Família para que qualquer cidadão
possa cruzar as informações e denunciar essa “mamata” dos funcionários
municipais.
Sem dúvida, a transparência é a principal inimiga da corrupção.
As
prestações de contas vêm de longo tempo. Na Grécia antiga a comunidade
reunia-se na Ágora, a praça pública, para avaliar a contabilidade dos
arcontes, embaixadores, generais, sacerdotes e de todos aqueles que
geriam o dinheiro público. Nos dias de hoje, a cidadania vem pela via
digital.
O essencial é que os homens públicos informem como estão
gastando o dinheiro do povo, seja na internet ou na praça de Padre
Bernardo.
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