Nova presidente do TRE, que toma posse hoje, defende uso da internet como ferramenta para atrair jovens para a política
Fábio Vasconcellos
Qual é a concepção de Justiça Eleitoral para a senhora?
A Justiça Eleitoral é uma das coisas mais importantes que nós temos,
porque ela é uma Justiça totalmente popular. É uma Justiça que, quando
vai funcionar, funciona com a participação da população. Os mesários e
os presidentes de mesa são cidadãos, eleitores que ajudam os demais
eleitores a exercerem um direito importantíssimo para a democracia.
Qual é a sua avaliação da Lei da Ficha Limpa?
A Lei da Ficha da Limpa é uma beleza de lei. É a primeira vez em que
temos uma lei com essa repercussão e que nasceu da vontade popular.
Ela demonstra que a nossa população já está amadurecida. E muito disso
devemos ao Código de Defesa do Consumidor, que mostrou que você podia
brigar por seus direitos. Daí o cidadão foi descobrindo que ele não
tinha só o direito de reclamar do liquidificador que queimou. Tudo isso
foi um movimento que culminou na Lei da Ficha Limpa. O eleitor mostrou
que também queria ver garantidos os seus direitos de cidadão-eleitor.
Com isso, ele deixou de pensar só no seu direito individual, no
liquidificador que queimou, e passou a pensar coletivamente. Isso é
fantástico.
Mas ainda há divergências com relação à interpretação da lei. Como vê essa questão?
A Lei da Ficha Limpa ainda é muito moderna. Ela foi promulgada em
2010, e só a aplicamos na eleição de 2012. Ela está em franco
desenvolvimento e franca aplicação. As decisões dos tribunais regionais
agora é que começam a chegar ao Tribunal Superior Eleitoral. Acho que,
a partir de 2014, começaremos a ter uma compreensão mais clara de
alguns itens que ainda geram discussão e que dependem da posição do
Tribunal Superior Eleitoral.
A senhora é estudiosa da relação entre as novas tecnologias
de comunicação e o direito. Como a internet pode ajudar a nossa
democracia?
Num dos seus livros, Fernando Henrique Cardoso comenta exatamente
isso. A internet com certeza vai influenciar muito. E ele faz um
parâmetro bastante interessante. O que ele diz é que os partidos
políticos tinham muita força, porque precisávamos fazer um grupo,
precisávamos estar reunidos. Então, nós tínhamos grupo de tudo. O
partido político era isso, uma agremiação de ideias e de amigos. Com a
internet, não há mais necessidade de você sair de casa para procurar o
seu grupo. O seu grupo é o seu mundo dentro da sua sala, do seu quarto,
na sua casa. Evidentemente, essa modificação de busca de grupos vai
influenciar. De que maneira? Não sabemos. Realmente começamos a ver que
ninguém mais vai para partido político. Os partidos estão cada vez mais
perdendo força.
Esse é um problema que afeta a participação dos jovens na política, não?
O jovem não vai para partido político porque ele não precisa
daquilo. Por quê? Porque ele precisa se conectar, e ele está conectado
com o mundo através da internet. Agora, como vai se operar essa mudança
(o uso da internet nos processos eleitorais), ainda é incipiente.
Tivemos recentemente decisões com placar apertado no TSE, onde se
discutiu justamente se a internet poderia ser usada como veículo de
propaganda, como veículo de comunicação política. Eu acho que terá que
ser. Isso vai acabar acontecendo.
A senhora é favorável a um maior uso da internet nos processos eleitorais?
Que isso vai evoluir e que vamos precisar de novos mecanismos, sem
dúvida. Esse é para mim o grande desafio. A internet é muito recente.
As redes sociais são mais recentes. Estamos aprendendo a lidar com as
redes. A grande maioria dos julgadores, principalmente nas cortes
superiores, reage às redes sociais e à internet, mas essa mentalidade
vai acabar evoluindo. E essa evolução vai ser muito bonita de
acompanhar. Não vejo outra saída. Não sei se daqui a cinco anos teremos
outro instrumento de comunicação, mas o que temos hoje é isso. É o
Twitter, o Facebook e o Instagram. É o que todo mundo está usando. Você
só tem uma maneira de mobilizar o jovem, e esse pode ser o caminho.
Mas ainda convivemos no Rio com inúmeros crimes eleitorais que afetam a participação do cidadão.
A compra de votos existe em quase todos os locais. Às vezes, não é
uma compra em que se entrega dinheiro, mas se entrega um benefício.
Isso a gente tem, talvez até pela cultura da população, em que todo
mundo quer buscar o apoio do Estado para alguma coisa. O Estado babá
existe até hoje. Essa busca do Estado babá acaba levando a essa troca,
porque a nossa população é pobre, necessitada, e acaba recorrendo aos
centros sociais espalhados por vários lugares.
Como o TRE pode ajudar a evitar esses crimes eleitorais?
Vou criar uma unidade de segurança e inteligência. Esse departamento
vai mapear o Estado do Rio e identificar os locais onde há prática de
alguma irregularidade. Depois, vamos chamar os partidos aqui para que
eles tomem providências antes de o processo eleitoral começar.
Fonte: Jornal O Globo
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