A tragédia que matou 236 jovens em Santa Maria (RS) leva a indagar:
afinal, para que servem as prefeituras? Os donos da boate e os músicos
que provocaram o incêndio tiveram culpa e, espera-se, serão punidos pela
Justiça, mas a responsabilidade maior foi da prefeitura, justamente
porque a ela cabe a ação preventiva de criar normas de segurança, exigir
seu cumprimento, fiscalizar e proteger a população. Levar conforto e
bem-estar para os habitantes da cidade é o foco central da ação do
prefeito. E proporcionar conforto é assegurar qualidade em saúde e
educação, eficiência em segurança, manter a cidade limpa, levar água
limpa e esgoto onde não há, enfim, cuidar das pessoas.
Em 1.º de janeiro foram empossados prefeitos em 5.565 municípios do
País, dos quais só 28% foram reeleitos. Na segunda-feira, eles partiram
em revoada à Brasília em busca de dinheiro. Em encontros com a
presidente Dilma Rousseff e vários ministros, ouviram promessas: R$ 66
bilhões em verbas, renegociar dívidas com a União, acertar créditos com a
Previdência, receber programas sociais federais em suas cidades.
Ficou faltando o essencial. Aquele essencial que proporciona
autonomia e independência de gestão ao município e poupa expor o
prefeito de pires na mão em Brasília. Para a prefeitura cumprir seu
papel de cuidar das pessoas é fundamental organizar o orçamento da
cidade para distribuir verbas com prioridade, qualidade e eficiência.
Porém, a Lei n.º 4.320, que regula a programação orçamentária,
financeira e patrimonial dos Estados e municípios, é anacrônica,
ultrapassada, data de 1964, e precisa ser reformada. Não só para dar
eficácia à gestão do prefeito, governador ou presidente da República,
mas para evitar espertezas de políticos em final de mandato, sobretudo
aqueles que perderam a eleição e se empenham em deixar o município na
penúria para o sucessor.
Em vigor há 12 anos, a Lei de Responsabilidade Fiscal estabeleceu
princípios de gestão pública, mapeou os grandes problemas nas três
instâncias de poder - entre eles endividamento descontrolado,
empreguismo, folha salarial inflacionada, criar despesas sem receitas - e
definiu regras para disciplinar gastos e punir gestores públicos. Mas
não avançou nas espertezas miúdas que proliferam, sobretudo em final de
mandato. Como se viu no final de 2012: cidades com lixo espalhado pelas
ruas atraindo ratos e doenças, salários atrasados, fornecedores e
prestadores de serviços cobrando pagamento. A mais grave dessas
espertezas aparece no orçamento agrupada no item "restos a pagar".
"A Lei Fiscal define regras de princípios e tem funcionado. Mas
detalhes do orçamento do País, Estados e municípios estão contemplados
na velha Lei n.º 4.320, de 1964, e que precisa ser atualizada", explica o
economista José Roberto Afonso, um dos autores da Lei Fiscal. A Lei n.º
4.320 não coíbe os exageros contidos no item "restos a pagar", onde o
gestor público lança débitos que deixa para o sucessor. O governo
federal, por exemplo, deixou para 2013 "restos a pagar" avaliados pelo
site Contas Abertas em R$ 200 bilhões - um verdadeiro "orçamento
paralelo", na visão do economista Gil Castello Branco, secretário-geral
do site.
Em Holambra - estância turística próxima a Campinas (SP) -, o novo
prefeito, Fernando Godoy, denuncia que o antecessor sumiu até com
cadeiras, mesas e arquivos do computador da prefeitura, encontrou duas
creches interditadas e dívidas de R$ 25 milhões com fornecedores. Em
Duque de Caxias (RJ), o ex-prefeito derrotado José Camilo Zito (PP) não
pagou e a empresa de lixo suspendeu a coleta nos últimos três meses de
2012. A cidade ficou infestada por montanhas de lixo nas ruas. Nos
municípios onde o prefeito não foi reeleito, ou não fez o sucessor, os
salários deixaram de ser pagos desde o resultado eleitoral.
Histórias como essas proliferam Brasil afora e o prefeito fica impune
porque a lei ficou desatualizada, não tipifica essas ações como crime ,
tampouco protege o cidadão contra gestões irresponsáveis. E, na próxima
eleição, lá está o mesmo prefeito disputando o cargo.
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