Com a posse de novos prefeitos ocorrida em janeiro, descortinou-se
um grave cenário de desorganização administrativa em grande parte dos
municípios brasileiros. Dentre as principais características desse caos
administrativo, sobreleva-se a ausência de planejamento financeiro que
permita a gestão austera por parte dos prefeitos recém-eleitos. Em casos
extremos, observa-se o comprometimento da própria viabilidade de
pagamento dos salários dos servidores e a prestação de serviços
imprescindíveis, tais como os de saúde e de coleta de lixo.
A
legislação nacional já avançou significativamente de forma a coibir
abusos fiscais no último ano de mandato, permitindo-se a desejada
continuidade dos serviços públicos. Emblemática nesse sentido é a Lei de
Responsabilidade Fiscal, que proíbe a contração de despesas que não
possam ser cumpridas integralmente dentro dos dois últimos quadrimestres
do mandato.
As finanças públicas devem de fato receber
tratamento especial no último ano de mandato, de forma a se evitar, de
um lado, a irracionalidade dos gastos públicos motivada por interesses
estritamente eleitorais, orientados apenas pela busca de vitória nas
urnas, e, de outro, possibilitar a desejada continuidade de uma política
de austeridade financeira.
Essa medida, no entanto, embora
necessária, não se revela suficiente para coibir abusos na gestão fiscal
dos municípios. As impropriedades fiscais observadas no último ano
usualmente refletem apenas o desfecho de uma administração irresponsável
desde o seu primeiro dia. O controle fiscal deve ser efetivado não
somente no primeiro ano de gestão, mas de forma contínua em todos os
exercícios financeiros.
Essa era inclusive a proposta originária
do anteprojeto que resultou na aprovação da Lei de Responsabilidade
Fiscal. Nele havia regra específica que limitava os chamados "restos a
pagar" à efetiva existência de disponibilidade de caixa, como forma de
não haver transferência de despesa de um exercício para o outro. Essa
regra, contudo, foi modificada pelo Congresso Nacional e acabou sendo
definitivamente suprimida do texto final aprovado em razão de veto
aposto pelo presidente da República, permitindo que os administradores
públicos assumam inúmeras obrigações desde o primeiro dia de gestão sem
que exista disponibilidade financeira para saldá-las.
Essa
prática provoca um total descontrole das finanças públicas, gerando
déficits imoderados e reiterados cujos reflexos serão suportados pelos
futuros gestores. Inibe também um controle mais eficiente por parte dos
órgãos responsáveis pela fiscalização contábil, financeira e
orçamentária, notadamente o que é atribuído constitucionalmente aos
Tribunais de Contas.
As contas prestadas anualmente pelos
administradores públicos, bem como os inúmeros relatórios fiscais
encaminhados aos Tribunais de Contas, retratam em inúmeros casos uma
realidade marcada pela ausência de compromisso com o equilíbrio fiscal.
Os Tribunais de Contas, no entanto, embora reiteradamente sinalizem a
necessidade de adoção de medidas com o objetivo de eliminação do déficit
público ao longo do processo de acompanhamento da execução
orçamentária, não dispõem de mecanismos que lhes permitam coibir
prontamente o estabelecimento de obrigações sem lastro financeiro nos
primeiros anos de mandato dos gestores públicos.
O reinício da
atividade parlamentar que se dá agora no mês de fevereiro é o momento
ideal para que esse modelo seja revisto, retomando-se a proposta
originária contida na Lei de Responsabilidade Fiscal, de forma a se
vedar a realização de gastos públicos sem que exista a concomitante
disponibilidade financeira. Só assim se evitará que os prefeitos
recém-eleitos iniciem uma folia fiscal que comprometerá não só o
equilíbrio orçamentário de sua gestão, mas, sobretudo, o planejamento e a
austeridade financeira de futuros gestores e a própria qualidade dos
serviços públicos prestados.
Fonte: Jornal O Globo
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