BRASÍLIA - O Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou ontem a liminar
do ministro Luiz Fux que obrigava o Congresso Nacional a votar em ordem
cronológica os mais de três mil vetos presidenciais que aguardam
apreciação há mais de dez anos, antes de analisar o veto à lei que
criou novas regras para a partilha dos royalties do petróleo. Na
prática, isso permitirá que o Congresso retome a votação do Orçamento
Geral da União de 2013, que estava suspensa desde dezembro, quando Fux
concedeu a liminar, e vote a qualquer momento o veto ao projeto que
muda as regras de distribuição dos royalties e prejudica Rio de Janeiro
e Espírito Santo, estados produtores de petróleo.
Os parlamentares dos demais estados querem votar esse veto na
próxima semana, para derrubá-lo, e manter na lei a distribuição dos
royalties para todos. O placar do julgamento, que não tratou do mérito,
foi de seis votos a quatro. Caso seja confirmada a derrubada dos
vetos, as novas regras dos royalties deverão ser contestadas pelos
estados produtores por meio de uma ação direta de inconstitucionalidade
(Adin) ao STF, que questione o mérito da lei, e não o processo
legislativo que levou à sua aprovação.
O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), comemorou a
decisão do STF: disse que ela respalda a posição do Congresso e marcou
para hoje reunião com o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves
(PMDB-RN), para discutir a retomada das votações na sessões conjuntas
do Congresso (Câmara e Senado). Os ministros do STF que votaram contra a
liminar de Fux tiveram o mesmo entendimento do Congresso: a medida
cautelar engessava a atividade legislativa.
- Ficamos felizes com a decisão do Supremo, porque ela consubstancia
o papel principal do Congresso. Amanhã, vamos decidir com o presidente
Henrique em relação à pauta e voltar a trabalhar - disse Renan,
evitando falar se vai colocar imediatamente o veto dos royalties do
petróleo em votação. - Não decidimos nada. Só a partir de amanhã vamos
decidir.
O senador Lindbergh Farias (PT-RJ) disse crer que a pressão dos demais estados será grande:
- É uma derrota enorme do Rio, mas é uma decisão do Supremo. Vamos
fazer uma batalha regimental e de conteúdo na sessão do Congresso, mas
temos que reconhecer que é muito difícil.
Autor do mandado de segurança ao STF que gerou a liminar de Fux, o deputado Alessandro Molon (PT-RJ), também lamentou a decisão:
- Estou triste. Como todo o respeito ao Supremo, lamento a decisão.
Na prática, a cassação da liminar vai permitir que o Congresso,
descumprindo a Constituição, vote a derrubada do veto dos royalties.
Na sessão de ontem, Fux defendeu a manutenção da ordem para a
votação no Congresso. Votaram da mesma forma s Marco Aurélio Mello,
Celso de Mello e o presidente da Corte, Joaquim Barbosa. Do lado oposto
ficaram Teori Zavascki, Rosa Weber, Dias Toffoli, Cármen Lúcia,
Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes.
Primeiro a discordar de Fux em plenário, Zavascki defendeu a
modulação da liminar de dezembro. Ele não explicou como isso ocorreria.
A solução sugerida pelo governo federal é que a análise cronológica
sirva apenas para os vetos que aguardam análise nos últimos 30 dias. O
restante continuaria na fila de votação. Caberia aos parlamentares
escolher a ordem de análise do acervo. Mas esse assunto não foi
decidido ontem. Os ministros apenas derrubaram a liminar. Em data ainda
não prevista, o plenário julgará o mérito da ação.
Em seu voto, Zavascki argumentou que a falta de análise dos cerca de
três mil vetos por parte do Congresso gera um "grave cenário". Porém,
não seria viável a votação cronológica desse pacote para solucionar o
problema. Isso porque poderia ser considerada ilegal a forma como os
parlamentares analisaram outros vetos antes desse passivo - afinal, a
ordem cronológica não era obedecida. Zavascki defende que o STF resolva a
situação no julgamento do mérito.
Rosa Weber lembrou que o STF costuma considerar questões do
Congresso como "interna corporis" (a serem resolvidas pelos
parlamentares). Logo, não caberia ao STF dar uma liminar como a de Fux.
Toffoli argumentou que a ordem de votação dos vetos é uma decisão
política a ser tomada pelo Congresso. Para ele, a liminar de Fux
engessou as atividades parlamentares.
- Obstar um Poder de deliberar é algo possível, não se fecha a porta
nunca à teratologia, ao absurdo. Vamos supor que o Congresso Nacional
queira condenar um presidente à morte. Mas não vejo absurdo desse tipo
aqui - alegou Toffoli.
Fux explicou que a Constituição determina que, no caso de
descumprimento do prazo de 30 dias para votação dos vetos
presidenciais, ele deve ser automaticamente inserido na pauta da sessão
seguinte, suspendendo a tramitação de outras proposições.
- Não é o Judiciário que está determinando, é a Constituição Federal
que assim faz. Até porque não votar o veto tranca a pauta - disse o
ministro, que também rebateu o argumento de parlamentares de que a
questão seria "interna corporis": - O regimento (do Congresso)
complementa aquilo que estabelece a Constituição Federal. São regras
jurídicas. Como essas normas jurídicas não podem ser sindicadas pelo
Poder Judiciário? Eu não consigo (entender), sinceramente, é uma
limitação que eu tenho...
Fux voltou a dizer que a liminar não impedia o Congresso de votar
outros temas, mas só vetos. Gilmar Mendes questionou essa
interpretação:
- É esse estado de anomalia e patologia que tem sérias repercussões
sobre todo o sistema. Dizer que isso não repercute na lei orçamentaria?
Mas tem de combinar com os russos. Veja o quadro que se coloca no
mundo é de muita sensibilidade - disse Mendes.
Marco Aurélio apoiou o relator:
- Sua Excelência escancarou uma mazela desta sofrida República.
Rasgando a Constituição Federal, a maioria esmaga a minoria e fica por
isso mesmo. Não se avança culturalmente dessa forma. É um flagrante
retrocesso.
jucá quer votar orçamento antes de vetos
Celso de Mello e Barbosa votaram no mesmo sentido. O presidente do
STF considerou "muito grave" os parlamentares terem abandonado a
análise dos vetos nos últimos anos:
- Estamos diante de um fenômeno de extrema gravidade, de um exemplo
muito claro de como se dá a hipertrofia do Poder Executivo no nosso
sistema de governo. Essa hipertrofia se dá por meio da abdicação do
Congresso das suas prerrogativas constitucionais - disse Barbosa.
No veto que gerou o impasse, a presidente Dilma Rousseff suprimiu
artigo da lei que diminuía a parcela de royalties e da participação
especial dos contratos em vigor destinada a estados e municípios
produtores de petróleo. O artigo ainda ampliava os ganhos dos demais
estados. Sem o veto, que deve ser derrubado, a lei retira dividendos
dos estados produtores. Molon, que acompanhou o julgamento, afirmou:
- O Rio de Janeiro e o Espírito Santo já estão com as Adins prontas
para ingressar no Supremo assim que o veto for derrubado. Portanto,
perdemos a batalha, mas, certamente, não perdemos a guerra.
O deputado Marcelo Castro (PMDB-PI) disse que o veto pode ser votado na próxima semana:
- Achei a decisão maravilhosa. Já aprovamos a urgência para a
votação dos royalties e o Supremo disse que podemos o que quisermos.
Mas o relator do Orçamento, senador Romero Jucá (PMDB-RR), disse que o Orçamento tem que ser votado antes:
- Queremos que seja votado até terça-feira.
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