Licitações fraudadas, comida estragada servida a alunos, escola fechada
porque não tem merenda. Pelo menos 13 estados no país investigam
atualmente denúncias de desvio de recursos para aquisição de merenda
escolar, de mau armazenamento de comida e de fornecimento insuficiente
de alimentos para escolas — em alguns casos, onde há denúncia de verba
fraudada é também onde falta merenda.
As irregularidades estão sendo apuradas pelos Ministérios Públicos
estaduais e Federal, e por fiscalizações da Controladoria Geral da
União, em estados como Paraná, Rio Grande do Norte, Maranhão, São Paulo,
Rio, Roraima, Minas, Bahia e Pernambuco; na última semana veio à tona
um caso no Espírito Santo, com desperdício de merenda.
Fiscalizações
da CGU ilustram o descaso. Em Xexéu (PE), o órgão constatou em outubro
de 2012 indícios de sobrepreço, aquisição de alimentos sem licitação ou
contratos de fornecimento. E faltou merenda em duas escolas por pelo
menos dois meses em 2012, após o recesso do meio do ano. Além disso, foi
encontrada carne mantida sem refrigeração. Numa das escolas, a merenda é
guardada onde morava a merendeira nos dias úteis. E “todas as escolas
visitadas não dispõem de água tratada ou filtrada para preparar a
merenda, utilizando-se água do poço”, diz a CGU.
Em São José do
Campestre (RN), em sete escolas com 75,6% dos alunos da rede municipal, a
CGU encontrou falta de merenda no fim de 2012. Cinco delas estavam
fechadas por causa disso.
Na última sexta-feira, professores e
alunos de três escolas confirmaram que a merenda faltou no início deste
ano, mas disseram que o serviço já foi normalizado. Porém, numa quarta
escola, rural, a Cícero Pinto de Souza, o problema continua:
— Aqui sempre falta merenda. Este ano menos, mas tem faltado — contou o aluno do 4º ano José Rodrigo da Silva.
O
depósito de alimentos do município funciona numa sala improvisada na
Secretaria de Educação. Nessa mesma cidade, a CGU constatou em 2012
licitação direcionada, com irregularidades como um pregoeiro nomeado
após ter assinado o edital. “Houve flagrante montagem para conferir
aparência de legalidade” a empresas que, diz a CGU, participaram de
fraudes em outra cidade do estado, Goianinha, com participação de um
ex-prefeito.
Frango sem refrigeração
Já em
Balsas (MA) houve simulação de processos licitatórios em 2011 e 2012.
Produtos como frango abatido eram entregues por caminhões sem
refrigeração, no depósito central da cidade, “que não possui freezer”.
Numa das escolas, os alunos não tinham onde se sentar para comer.
Uma
“simulação de processo licitatório e conluio entre os licitantes,
pregoeiro, equipe de apoio, coordenadora da merenda escolar e presidente
do CAE (Conselho de Alimentação Escolar)” foi encontrada em Hidrolândia
(CE) em 2012. Entre os indícios, exigência de documento não previsto em
lei, que seria dado pela comissão de licitação; e o fato de um
funcionário de licitante ser ligado a outra. Enquanto isso, 40% das
escolas visitadas sofriam com atraso no fornecimento de comida aos
alunos.
Atualmente, 780 municípios e seis estados — Acre,
Amazonas, Maranhão, Pará, Rondônia e Sergipe — até correm o risco de
ficar sem recurso federal para merenda porque o seu Conselho de
Alimentação Escolar, órgão que monitora o uso do recurso, está
irregular, com mandato vencido. Estados e prefeituras têm até o dia 30
para enviarem as prestações de contas das verbas repassadas em 2011 e
2012.
Mas prestações de 2010, por exemplo, ainda têm problemas
como documentação pendente — como na Bahia, com pelo menos 60 cidades
nessa situação. Só este ano, até agora, já foram abertas pelo FNDE 13
tomadas de contas especiais especificamente sobre problemas com verba
para merenda.
O Ministério Público também apura irregularidades.
Em mais de cinco estados, inquéritos foram abertos após investigação em
São Paulo descobrir o que o MP chamou de “máfia da merenda”: um grupo de
empresas que simularia licitações com ajuda de servidores públicos e
secretários municipais. No Nordeste, esse cartel teria usado uma empresa
que dizia oferecer serviços de “consultoria em políticas públicas” para
intermediar a relação entre as prefeituras e as empresas de
alimentação.
Empresas consideradas pelo MP como parte da máfia
podem estar atuando sob outro nome. Em Roraima, uma empresa apontada
pelo MP-SP como sendo do grupo, a J. Coan, forneceu merenda a escolas
estaduais de Boa Vista de 2006 a 2011, período em que lá surgiram casos
de leite servido azedo e sopa servida com larvas. Em 2011, ela foi
substituída pela Megaclear, que mudou seu nome para Mega Foods. Para o
MPF-RR, a empresa tem um endereço que era o mesmo da Coan, além de
telefones registrados em nome da Coan. O MPF-RR destaca: “a Coan é sócia
da Semper Foods, que, por sua vez, é sócia da Mega Foods”. Integrante
do Conselho de Alimentação Escolar, a merendeira Silvinha Oliveira
confirma que a Mega Foods é a fornecedora e reclama da qualidade do
produto:
— A comida às vezes chega atrasada, e os legumes que eles mandam já chegam estragados.
No
Rio, segundo o procurador da República Renato Machado, um inquérito
apura indícios de direcionamento de licitação em São João de Meriti
envolvendo a Home Bread; também há um inquérito no Supremo Tribunal
Federal sobre suspeita de superfaturamento em contratos da empresa.
Apontada
pelo MP como uma das principais do cartel que envolvia a Coan, a SP
Alimentação negou as acusações sobre o cartel e disse que a defesa está
sendo feita à Justiça. Responsáveis pela Coan não foram localizados até o
fechamento da edição. Um homem que quis se identificar apenas como
Márcio e se disse assessor da Home Bread negou as acusações, afirmando
que as licitações de que a empresa participou tiveram publicidade. (COLABOROU Paulo Francisco, especial para O GLOBO)
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