A tática dos sujos para fugir da Ficha Limpa

Projeto no Congresso que afrouxa a Lei da Ficha Limpa pretende formalizar entendimento do TSE que, em alguns casos, libera a candidatura de políticos com contas pendentes de aprovação. TCU rejeita gastos de 6 mil gestores.

A tentativa do Congresso de alterar artigos da Lei da Ficha Limpa para beneficiar gestores com contas rejeitadas é uma estratégia para formalizar um entendimento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que já tem livrado da guilhotina prefeitos que, mesmo reprovados pelos órgãos fiscalizadores, não foram submetidos à análise das câmaras municipais. Ao contrário do que determina a norma em vigor, o TSE entende que a inelegibilidade só se deve aplicar após a palavra final da Casa legislativa.

No ano passado, por exemplo, o Tribunal de Contas da União (TCU) encaminhou uma lista ao TSE com os nomes de 6 mil gestores públicos que tiveram as contas rejeitadas. Na prática, grande parte dos prefeitos ordenadores de despesas foi liberada, justamente porque o balanço contábil não havia sido submetido às câmaras municipais.

O juiz Márlon Reis, um dos idealizadores da Lei da Ficha Limpa, criticou, na tarde de ontem, a postura do TSE. “É um entendimento errado. O TSE não está aplicando a legislação corretamente. Em 2012, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou constitucional a Lei da Ficha Limpa. Simplesmente, o TSE está deixando de aplicar a lei.” A presidente do TSE, Cármen Lúcia, não pôde falar sobre o assunto, porque estava participando de um evento internacional, segundo a assessoria de imprensa do tribunal.

O magistrado alega que a lei determina que não é necessário submeter o parecer técnico dos tribunais de contas às Casas legislativas no caso dos gestores que são ordenadores de despesas. “O chefe do Executivo que não ordenou despesas e teve as contas reprovadas é submetido ao julgamento político. Nesse caso, tudo bem. Mas aqueles, geralmente de cidades menores, que foram responsáveis diretos pelas despesas, não precisam da palavra da câmara municipal para se tornarem inelegíveis. E, infelizmente, essa ainda é uma prática comum. Tem prefeito que anda com talão de cheque da prefeitura na mão”, afirmou.

O ex-prefeito de Brejão (PE) Sandoval Cadengue (PSB) foi o primeiro candidato “conta suja” beneficiado por decisão do TSE nas eleições do ano passado. Embora tenha as contas de sua gestão à frente da administração municipal em 2004 rejeitadas, conseguiu se candidatar novamente à prefeitura em 2012, ficando em segundo lugar na corrida. Juízes de primeira e segunda instâncias o liberaram a concorrer. O Ministério Público recorreu ao TSE, usando como argumento a Lei da Ficha Limpa, mas foi vencido.

O Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco (TCE-PE) encontrou 21 irregularidades nas contas de Brejão em 2004. Entre elas, estavam a contratação de uma cooperativa de trabalho para não ter que fazer concurso público, a não aplicação de recursos destinados à saúde por meio do Fundo de Previdência do município e dispensas de licitação irregulares. A decisão do TCE-PE é de 2008. Assim, pela Lei da Ficha Limpa, o ex-prefeito só poderia se candidatar novamente oito anos depois, em 2016.

Defesa da ética

Ontem, o tema chegou ao plenário do Senado, onde Pedro Simon (PMDB-RS) classificou como “desastre” a tentativa do grupo comandado pelo deputado federal Cândido Vaccarezza (PT-SP) de mexer na legislação para atenuar os efeitos da lei em vigor. “Nós sabemos que o julgamento na Câmara é só político. O prefeito pode vencer, se tiver maioria, e perder, no caso contrário”, declarou o senador.

Simon ressaltou a posição do ministro aposentado do STF Ayres Brito, que reagiu duramente à tentativa de modificação da lei. “Nos últimos anos, assistimos a uma quase interminável série de escândalos no meio político, e muitos deles se referem à malversação de dinheiro público. Frequentemente, a população se sente desiludida diante de denúncia da imprensa. É por isso que eu digo e repito: o povo deve vigiar o homem público brasileiro. O cidadão deve pedir a seus homens públicos que sejam éticos”, discursou.

De acordo com a Constituição, os gastos dos administradores e demais responsáveis pelo dinheiro, bens e valores públicos devem ser julgados pelo Tribunal de Contas. A Lei da Ficha Limpa determinou que a regra também se aplica aos chefes do Executivo que chamam para si a tarefa de assinar empenhos e ordens bancárias de pagamento, por exemplo. Na prática, a regra atinge prefeitos de municípios pequenos. Pelas normas atuais, caso condenados pelos tribunais de contas, os mandatários municipais se tornam inelegíveis nos oito anos seguintes à data da decisão. O projeto de lei complementar que deverá ser discutido na reunião de líderes da Câmara na semana que vem altera esse dispositivo, prevendo que o prefeito só se torna inelegível se o Legislativo municipal condenar as contas.

Em entrevista ao Correio, Vaccarezza garantiu que levará a proposta ao Congresso na terça-feira. Ele informou que a previsão é de que o texto seja aprovado até o fim de junho. O parlamentar fez questão de salientar que não existe nenhuma polêmica em relação ao tema. “Atuamos com bom senso. Corrigimos apenas algumas distorções.” Ele justificou o objetivo da mudança. “Parecer de tribunal de contas não é decisão.”


Fonte: Jornal do Commercio.

Leia todas as notícias
 Voltar
 
Todos os direitos reservados © ASTCERJ 2010. Desenvolvido por Heaven Brasil e GNNEXT.