Após quatro anos de debates, o governo federal finalmente enviará uma
proposta de mudança no marco regulatório da mineração ao Congresso na
próxima terça-feira. Para evitar a queda de braço que ocorreu na Casa
com a MP dos Portos, a presidente Dilma Rousseff decidiu agir de forma
menos impositiva e desistiu de propor as novas regras via medida
provisória. A proposta será feita por meio de projeto de lei, com pedido
de tramitação em caráter de urgência. Mesmo assim, parlamentares e
empresas que atuam no setor preveem um embate acalorado entre os dois
principais estados produtores (Minas Gerais e Pará) e os estados que são
a porta de saída de minérios para o exterior (Espírito Santo, Maranhão e
Rio de Janeiro). Em jogo, estão cerca de R$ 4 bilhões de royalties que
devem ser arrecadados por ano, com as esperadas mudanças nas regras de
tributação.
Como o setor é uma colcha de retalhos, abrangendo de
minério de ferro a água mineral, a briga no Congresso deve ser
apimentada, ainda, pela diversidade de interesses das companhias que
atuam na indústria extrativa, entre elas a Vale, o grupo EBX, de Eike
Batista, e as chamadas empresas júnior, que fazem pesquisa mineral.
O
novo marco vai aposentar o atual Código de Mineração (de 1967) e tem
três objetivos principais: promover mais competição e eficiência nos
processos de pesquisa e lavra; elevar a arrecadação governamental por
meio do aumento das alíquotas da Compensação Financeira pela Exploração
de Recursos Minerais (Cfem), espécie de royalty da mineração; e
converter o Departamento Nacional de Pesquisa Mineral (DNPM) a agência
reguladora, para cobrar das empresas privadas celeridade nos projetos. O
lançamento do novo marco será no Palácio do Planalto às 11h de
terça-feira, com a presença de Dilma.
Uma nova divisão do bolo
A
questão dos royalties da mineração será uma das mais polêmicas. Já está
certo que a Cfem vai incidir sobre a receita bruta das mineradoras e
não mais sobre a líquida, como é hoje. E que a alíquota será elevada
para a maior parte dos minérios. O minério de ferro deve subir de 2%
para 4%, por exemplo. Mas se espera que a alíquota de fertilizantes (2%)
caia, para estimular sua exploração, uma vez que o Brasil importa o
produto. Com as mudanças, a arrecadação da Cfem, que foi de R$ 1,8
bilhão em 2012, deve saltar para cerca de R$ 4 bilhões ao ano.
Segundo
fontes do setor, o governo tende a não entrar no mérito de uma possível
redistribuição da Cfem entre os entes da federação num primeiro
momento, deixando a discussão para o Congresso. Hoje, 12% ficam com a
União, 23% vão para o estado produtor e 65%, para o município produtor.
Os
governos de Maranhão, Espírito Santo e Rio querem seu quinhão das
riquezas minerais, alegado que são corredores logísticos para exportação
dos minérios e que, por isso, também precisam ser compensados pelos
danos causados pela atividade mineradora. Segundo dados do Ministério de
Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, dos 334 milhões de
toneladas que o Brasil exportou em 2012 de minério de ferro, cobre,
níquel e bauxita (usada na fabricação de alumínio), 37% foram exportados
por São Luís, 31% por Vitória e 26% pelo Rio, totalizando 94% do volume
embarcado.
O estado que promete brigar com mais veemência no
Congresso é o Maranhão, cortado pela Estrada de Ferro Carajás (EFC) e
por onde é exportado o minério de ferro de Carajás (PA). A Assembleia
Legislativa do estado apresentou proposta ao ministro de Minas e
Energia, o maranhense Edison Lobão, pela qual a parcela da Cfem que hoje
vai para estados e municípios seria dividida entre estados e municípios
produtores (80%) e estados e municípios dos corredores logísticos
(20%). Nos cálculos da assembleia, isso renderia ao Maranhão R$ 300
milhões por ano.
— Temos esperança de que nossa demanda seja
incluída no projeto do governo. Mas, se não for, vamos brigar para que
seja feita uma emenda no Congresso. Queremos uma repartição que
contemple os três estados que servem como corredores de transporte para
as mineradoras — disse o deputado estadual Max Barros (PMDB), que está à
frente da articulação com a bancada federal.
O governo do
Espírito Santo também se mobiliza. A ideia não é bater o pé por uma
fatia na Cfem e, sim, pela criação de uma taxa adicional que seria
cobrada das mineradoras por usarem a estrutura logística que corta o
estado. O governo do Rio evita falar em retaliação por causa de perdas
impostas ao estado na questão dos royalties do petróleo, mas acredita
que, se haverá ampliação da arrecadação com a Cfem, haverá espaço para
uma redistribuição do tributo:
— Uma coisa é um ganhar quando
outro perde. Outra coisa é todo mundo ganhar um pouco — disse um
interlocutor do governo fluminense.
Modelo híbrido
Pará
e Minas prometem um contra-ataque. Eles perderam a briga pelas
Participações Especiais — ambos defendiam a criação de PEs sobre grandes
jazidas, que não devem ser incluídas no projeto de lei — e não querem
sair derrotados mais uma vez. Em 2012, o Pará recebeu R$ 524 milhões de
Cfem (incluindo a parcela dos municípios) e Minas, R$ 974 milhões. Com
as mudanças na Cfem, os valores devem dobrar.
— Vamos lutar para
que isso (a repartição dos recursos da Cfem) não ocorra. Seria injusto.
Já tivemos perdas com a Lei Kandir — disse o secretário de Indústria,
Comércio e Mineração do Pará, David Leal.
A derrota de Pará e
Minas no tema das PEs ocorreu por forte lobby da Vale, que tem buscado
influenciar o novo marco por meio do Instituto Brasileiro de Mineração
(Ibram). Nas palavras de uma fonte do Planalto, o governo recuou neste
ponto porque não quer matar a "galinha dos ovos de ouro".
Para
evitar faíscas no Congresso, o governo também recuou do plano inicial de
abandonar por completo o modelo atual, em que quem protocola primeiro
um pedido de exploração junto ao DNPM permanece com a área até que a
jazida se esgote. A ideia era fazer licitações por blocos, como o que já
ocorre no setor de petróleo.
Nas últimas semanas, o governo
caminhou para definir um modelo híbrido, com leilões de áreas de grande
potencial e geologia bem conhecida, chamadas públicas para áreas menos
procuradas — levando em conta a capacitação técnica e o plano de
investimentos dos interessados — e licenças mais rápidas para agregados
para construção civil, como areia, brita e argila.
— Precisamos de
simplicidade, rapidez e de condições de trabalho para o DNPM. E, com
isto, elevar significativamente os investimentos, afastando
especuladores de direitos minerais que mantêm direitos sem trabalhar —
disse o presidente da Vale, Murilo Ferreira.
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