No primeiro momento a
tendência do governo federal foi a de espetar na conta do governador
Geraldo Alckmin o prejuízo político dos protestos. Houve até quem no PT
reclamasse que o prefeito Fernando Haddad não fora contundente o
bastante nas críticas à atuação truculenta da polícia de São Paulo no
enfrentamento de quinta-feira passada.
No segundo momento, porém,
as antenas mais sintonizadas do Palácio do Planalto começaram a
perceber que a parte gorda da fatura recairia sobre a presidente Dilma
Rousseff. Não por uma questão de antipatia pessoal, mas porque é sempre
assim: a conta é cobrada de quem tem a responsabilidade de pagar.
Brasília
percebeu isso. E, na falta de formuladores, reagiu como sempre: por
orientação do marqueteiro João Santana, cujas digitais são nítidas na
construção do discurso da presidente que tenta se dissociar dos
protestos, dizendo que as vozes das ruas “precisam ser ouvidas”. Como se
não fosse ela a representante máxima da legião de surdos à qual se
dirigem os manifestantes.
Se não estivesse no comando da
prefeitura e caso os protestos se restringissem a São Paulo, talvez
fosse bem-sucedida a tentativa de empurrar o problema para o alheio. Os
tucanos são governo e é de cobrança ao poder público que cuidam os
manifestantes.
No Rio, a passeata “dos cem mil” na segunda-feira
se ocupou por longo tempo em insultar o governador Sérgio Cabral Filho.
Em uníssono, a multidão o mandava àquele desconfortável lugar. Nessa
hora não dá para cobrar bons modos de quem aguentou calado os
maus-tratos.
O movimento se espalhou, tomou conta de todas as
regiões do país, foi ao interior e ao exterior. Na última terça-feira,
uma semana depois dos primeiros protestos inicialmente vistos como atos
isolados de bagunça, foram 11 capitais. Para o dia de hoje, esperam-se
manifestações em 21 dos 27 estados, 15 capitais e 71 municípios.
Diante
da adesão crescente, vislumbrado o tamanho oceânico da encrenca,
autoridades de todos os matizes correram para tentar amenizar os danos:
prefeitos reduziram simbolicamente os preços das passagens (entre 0,05 e
0,10 centavos), os governadores (Alckmin e Cabral) que inicialmente
falaram grosso passaram a falar fino transmitindo seu apreço aos
movimentos, a presidente cerrou fileiras ao lado da “mensagem direta das
ruas”.
Fez isso quatro dias depois de ter afirmado mais uma vez
que corria tudo bem no Brasil e que as críticas eram produto de um
“estardalhaço” promovido pelo “terrorismo informativo” sobre a situação
econômica do país.
Tudo certo que a presidente, governadores,
prefeitos e políticos em geral tenham adaptado o rumo de suas ideias ao
itinerário e dimensão dos protestos. Ótimo, não brigam com os fatos nem
negam o fato de que a sociedade quando quer e se empenha faz valer seu
poder de mando, obrigando o poder público a ouvi-la.
Resta uma
questão a ser resolvida: se na visão da presidente da República as ruas
têm razão, se há consistência em suas reclamações, então quem não tem
razão é o governo, que procura iludir ao pintar um cenário paradisíaco.
Em
seu pronunciamento, Dilma Rousseff avisou que está ao lado da população
“no repúdio à corrupção e ao uso indevido do dinheiro público”.
Pois
quem tem os instrumentos para corromper? Quem recebeu delegação para
usar dinheiro público? A quem cabe dar uma solução para a inflação? Quem
gastou a rodo com os estádios da Copa?
Certamente não foram os
marcianos nem a oposição. O discurso manipulador não é só insuficiente,
pode ser também contraproducente. Se a revolta alcança partidos e
políticos de uma forma geral, a cobrança é em particular ao governo, que
tem a responsabilidade, os meios, a delegação e, sobretudo, a obrigação
de oferecer as soluções.
Fonte: Jornal O Estado de S. Paulo
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