Casa do povo na contramão

O Congresso Nacional precisa ouvir a voz das ruas. Muitas das reivindicações da extensa e difusa pauta vista nas manifestações falam diretamente ao Legislativo. E o alerta reveste-se de ainda mais urgência e importância pela total falta de senso da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara dos Deputados na véspera do Dia Nacional de Lutas. A aprovação, terça-feira, do projeto de decreto legislativo que insiste em classificar o homossexualismo como doença foi prova inequívoca da dessintonia entre esse poder e a sociedade.

Tratou-se de clara provocação, pois multidões já haviam ocupado espaços públicos para contestar a medida e, mais até, pedir o afastamento do cargo do presidente da Comissão, Marco Feliciano. Além de fazer ouvidos moucos ao "Fora, Feliciano", o deputado, com apoio dos pares, levou adiante o retrocesso da ideia de "cura gay" — há mais de duas décadas rejeitada pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Resta agora contar que o desatino seja reparado por uma das duas comissões da casa por onde terá de tramitar antes de seguir para o Senado.

Mas existem muitas outras vias pelas quais o Congresso avança na contramão dos anseios populares. Afronta sem tamanho é a tentativa de abrir brechas na Lei da Ficha Limpa, iniciativa apenas aprovada após a coleta de 1,6 milhão de assinaturas de eleitores, além de outros mais de 2 milhões em petição virtual (colhidas pela internet). Pois um grupo de deputados não teve escrúpulo ao pôr em andamento proposta de lei complementar que permite a candidatura de prefeito condenado por tribunal de contas, desde que não tenha sido igualmente sentenciado pela câmara municipal, fórum em que muitos deles detêm maioria.

Na caminhada de encontro ao povo nas ruas, sobressai-se a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 37. Prevista para ser votada em plenário na próxima quarta-feira, a iniciativa esvazia o poder de investigação do Ministério Público em processos criminais, como na apuração de denúncias de corrupção, e sua contestação é uma das campeãs de presença em faixas e cartazes exibidos nas manifestações. Outra PEC, a de nº 33, aprovada em votação relâmpago pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, arromba o princípio da separação e da independência dos poderes para tentar restringir a ação do Supremo Tribunal Federal. A excrescência pretende assegurar ao Legislativo a última palavra em relação à constitucionalidade de leis e ao efeito vinculante de súmulas aprovadas pelo STF.

Os presidentes das duas casas precisam convocar os líderes partidários para análise conjunta dos protestos. O Congresso é a casa do povo. Mais do que desejo, é exigência da sociedade que entre em compasso com seus anseios. Mas só há pouco, por exemplo, depois de série de reportagens do Correio contestando o abuso, deputados e senadores abriram mão do privilégio — negado à classe trabalhadora do país — ao 14º e ao 15º salários. E ainda agarram-se ao escudo do voto secreto e aprovam despesas sem definir as fontes de cobertura. Agora mesmo, querem criar quatro tribunais regionais federais (TRFs), ao custo de quase R$ 1 bilhão por ano.

Fonte: Jornal do Commercio.

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