A presidente Dilma está tentando aproveitar-se de um momento delicado
das relações partidárias com a opinião pública para passar por cima do
Congresso, tão desprezado pelas vozes das ruas, e assumir uma proposta
de Constituinte exclusiva para reforma política que não é nova e, sendo
lançada pelo Executivo, cria um clima de suspeição.
A
ideia já chegou a ser lançada tempos atrás pelo próprio PT, através do
então presidente Lula, e com o apoio da OAB, e fracassou por falta de
apoio. Sempre pareceu a muitos - a mim inclusive - ser uma saída para a
efetivação de uma reforma que, de outra forma, jamais sairá de um
Congresso em que o consenso é impossível para atender a todos os
interesses instalados.
O deputado Miro Teixeira defende
de há muito a tese de que a Constituinte poderia, além da reforma
política, tratar de dois assuntos polêmicos: pacto federativo e reforma
tributária. Há diferenças básicas, no entanto, pois, além de ser uma
proposta de um deputado, a de Miro não foi feita em tempos de crise como
o atual, e era um instrumento para evitar a crise, que acabou chegando
pelas ruas.
A convocação de uma Constituinte restrita, ou
um Congresso revisor restrito, para tratar da reforma política, segundo
Miro daria oportunidade de tratar de forma mais aprofundada esses
temas, com discussões estruturais que se interligariam, com a
redistribuição das atribuições e verbas entre os entes federativos,
temas que, aliás, estão na ordem do dia com a disputa pela distribuição
dos royalties do petróleo.
A convocação dessa
Constituinte, porém, ficaria dependendo da aprovação da população
através de um plebiscito, o que torna a tarefa muito difícil de ser
concluída: uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nesse sentido,
além das dificuldades inerentes ao quorum qualificado nas duas Casas do
Congresso, precisaria também ter o aval do povo para valer, e mesmo
assim certamente seria acusada de inconstitucional, indo parar no
Supremo Tribunal Federal (STF), onde há uma opinião predominante de que a
Constituinte exclusiva é inconstitucional.
Mas toda essa
teoria fica anulada pelas experiências na América Latina, onde vários
governos autoritários utilizaram a Constituinte para aumentar o poder do
Executivo, como aconteceu na Venezuela de Chávez, na Bolívia de Evo
Morales, no Equador de Correa.
Tem sido politicamente
inviável tentar levar adiante a proposta devido ao uso distorcido das
constituintes em países da região, que acabaram transformadas em
instrumentos para aumentar o poder dos governantes de países como a
Bolívia ou Equador, seguindo os passos da "revolução bolivariana" de
Chávez.
A base teórica da manipulação dos referendos e do
próprio instrumento da Constituinte para dar mais poderes aos
presidentes da ocasião, como já foi dito aqui, é o livro "Poder
Constituinte - Ensaio sobre as alternativas da modernidade", do
cientista social e filósofo italiano Antonio (Toni) Negri.
O filósofo italiano diz que "o medo despertado pela multidão" faz com
que o poder constituído queira impedir sua manifestação através da
Constituinte: "A fera deve ser dominada, domesticada ou destruída,
superada ou sublimada". Antonio Negri considera que o "poder
constituído" procura tolher o "poder constituinte", limitando-o no tempo
e no espaço, enquanto o dilui através das "representações" dos poderes
do Estado.
Em uma definição mais popular, Evo Morales diz
que se trata de uma nova maneira de governar através do povo. Defende,
na prática, a "democracia direta", o fim das intermediações do
Congresso, próprias dos sistemas democráticos. Este é o tipo de ação
basicamente antidemocrática, pois uma coisa é criticar a atuação do
Congresso e exigir mudanças na sua ação política para aproximar-se de
seus representados, o povo.
Outra coisa muito diferente é
querer ultrapassar o Poder Legislativo, fazendo uma ligação direta com o
eleitorado através de um governo plebiscitário, que leva ao populismo e
ao autoritarismo. O cientista político Bolívar Lamounier considera que a
possibilidade de manipulação é inerente ao instrumento do plebiscito,
"pois a autoridade incumbida de propor os quesitos pode ficar muito
aquém da neutralidade".
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