A desistência da presidente Dilma de convocar uma Constituinte restrita
para fazer uma reforma política deveu-se à reação contrária da classe
política e de juristas, e demonstrou o desnorteamento do governo diante
das reivindicações vindas das ruas. Restou na mesa de negociações a
discussão de uma reforma política que seja aprovada por um referendo, ou
originada em uma consulta popular. A questão é premente, caberá aos
políticos se mostrarem capazes de chegar a um consenso, mesmo que seja
sob pressão popular. A audiência pública sobre financiamento de
campanhas eleitorais, convocada pelo ministro do Supremo Tribunal
Federal Luiz Fux, trouxe boas sugestões para a reforma política em seu
bojo, e a tendência majoritária parece ser a proibição de financiamento
por pessoas jurídicas. O financiamento público de campanha,
defendido pelo PT para aprovar o sistema de lista fechada, tem seus
adeptos, mas como sua viabilidade depende da mudança da maneira de
votação, não alcança o consenso entre os políticos, pois esse sistema
favorece aos grandes partidos, especialmente ao PT e ao PMDB, e retira
do eleitor a possibilidade de votar diretamente no seu candidato,
limitando a votação à lista partidária. Algumas variações são
possíveis, como o sistema belga que permite ao eleitor incluir na lista
oficial um candidato de sua preferência, ou mesmo alterar a ordem da
lista. Mas esse efeito é praticamente nenhum na maioria dos casos. Eu
sugeri a adoção do voto distrital misto, que tem o mérito de ligar o
eleito ao eleitor e a mesmo tempo barateia a eleição. Com relação ao
financiamento, disse que o mais viável seria estudar uma legislação que
regulamentasse com rigor o financiamento privado, limitando-o a pessoas
físicas. No Brasil, os candidatos são fortemente dependentes de
recursos das empresas, e cidadãos contribuem muito pouco. Milhões de
pessoas físicas fizeram doações pela internet para a campanha do
candidato democrata Barack Obama, desses, cerca de 30% contribuíram com
pequenas quantias de até US$ 20. No Brasil, não há legislação prevendo a
contribuição pelas internet para as campanhas eleitorais. Lembrei
que o financiamento público de campanha já existe no Brasil, embora
pouca gente se aperceba disso. Alguns números sobre o financiamento
público que já existe: em 2012, os gastos eleitorais apurados pelo TSE
ultrapassaram R$ 3,5 bilhões. Somente o Horário Eleitoral Gratuito
custou R$ 606 milhões ao contribuinte brasileiro. Segundo o site
Contas Abertas, nos últimos dez anos o Estado brasileiro desembolsou
mais de R$ 4 bilhões em compensações pelo uso do Horário Eleitoral. Já o
Fundo Partidário distribuiu aos partidos com representação no Congresso
cerca de R$ 286 milhões. A proposta que a presidente Dilma e o
ministro da Justiça José Eduardo Cardozo consideraram “interessante”,
apresentada ontem pela OAB e pelo Movimento de Combate à Corrupção
Eleitoral (MCCE), o mesmo que fez a campanha pela Ficha Limpa, é nada
menos que um derivativo da proposta que o deputado petista Henrique
Fontana apresentou e foi rejeitada no Congresso, baseada na lista
fechada para garantir o financiamento público da campanha. A única
diferença é que a eleição se daria em dois turnos. No 1º turno, o
eleitor vota no partido ou coligação, que apresentará sua proposta e uma
lista de candidatos escolhida pelo voto dos filiados ao partido com os
nomes ordenados dos candidatos. A campanha, no primeiro turno, é focada
na agenda do partido, o que reduz o custo. De acordo com o número de
votos obtidos, o partido conquista um número de cadeiras, por exemplo
vinte na Câmara dos Deputados. No 2º turno, esse partido levará às urnas
um número de candidatos que corresponda ao dobro do número de cadeiras
conquistadas no 1º turno. Nesta etapa, o eleitor votará no candidato com
que tiver maior afinidade, independentemente da ordem que tiver sido
definida pelo partido na fase anterior. A campanha individual também
fica restrita ao 2º turno, barateando os gastos. A preocupação com a
proibição de pessoas jurídicas de financiarem as campanhas eleitorais, e
a viabilização do financiamento público, fez com que o MCCE
privilegiasse os partidos políticos e não os candidatos, num momento em
que as ruas pedem menos força aos partidos e mais independência para os
candidatos, inclusive com candidaturas avulsas ou independentes. Amanhã
volto ao assunto.
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