O governo precisa mudar projetos e prioridades se estiver falando
sério sobre mobilidade urbana. O trem-bala é a maior obsessão. Mas vejam
se faz sentido: iria custar R$ 12 bilhões, depois chegou a R$ 19 bi,
passou para R$ 30 bilhões, e agora é R$ 33 bi. No mercado se diz que
pode chegar a R$ 60 bilhões. Com esse dinheiro, daria para triplicar a
rede de metrôs que existe hoje no Rio de Janeiro e em São Paulo.
O
professor Paulo Fernando Fleury, especialista em logística, acha que um
sinal de que não faz sentido essa insistência é o fato de que o leilão
foi marcado e suspenso três vezes porque não aparecia empresa
interessada. A cada fracasso, o governo aumentou as vantagens para o
empreendedor, elevando a parte que será financiada ou garantida pelo
governo:
— Hoje já se pode dizer que 90% do projeto será de uma
forma ou de outra com capital estatal em financiamento ou subsídio. A
nova licitação está marcada para este ano.
Seria maravilhoso, de
fato, ter um trem rápido ligando Rio e São Paulo para ser alternativa à
ponte-aérea. A questão é que o Brasil está sufocado por problemas de
mobilidade urbana mais urgentes. Praticamente, as cidades estão paradas
no trânsito, perdendo tempo, produtividade, vida em família, lazer,
chance de ficar com os filhos, hora de namorar, tempo para o descanso.
Horas e horas, todo o dia é dia de ficar parado no trânsito. Ninguém
aguenta tanto sufoco e isso se espalhou pelo Brasil. Há muito tempo São
Paulo perdeu a exclusividade desse tormento. E quem vai de transporte
público sofre infinitamente mais.
Nisso, o governo deixa de
investir o pouco que está no Orçamento para a mobilidade urbana. Os
dados do site Contas Abertas são estarrecedores.
— Nos últimos 11
anos, desde 2002, todo o dinheiro previsto para a mobilidade urbana no
Orçamento Geral da União foi de R$ 5,8 bilhões e foi desembolsado apenas
R$ 1,1 bilhão. Isso é 19% do total que estava autorizado no Orçamento —
diz Gil Castelo Branco.
Agora, leitores, comparem a exuberância
do dinheiro que será necessário para fazer o trem-bala e a irrisória
quantia colocada em 11 anos em mobilidade urbana. E vamos pensar: o que é
mais importante?
Quando foi criada a Empresa de Planejamento e
Logística (EPL), elogiei, aqui neste espaço, pensando que, afinal,
haveria algum órgão pensando a logística do país de uma forma geral.
—
A EPL está com todo o foco voltado para o trem-bala. Só o estudo de
engenharia detalhado custou R$ 1 bilhão — diz Paulo Fleury.
A mobilidade urbana é assunto dos três níveis administrativos, mas grande parte das obras pode ser feita com recursos da União.
—
No sétimo balanço do PAC, o governo informa que em mobilidade urbana há
50 obras nas grandes cidades, duas concluídas, e 63 projetos nas
cidades médias, todas em "ação preparatória" — diz Gil Castelo Branco.
Enquanto
não investia em obras para melhorar o ir e vir nas engarrafadas cidades
brasileiras, o governo abriu mão de bilhões de impostos para incentivar
a compra de carro individual, perdendo recursos que, por lei, deveriam
ser destinados ao investimento em infraestrutura de transporte.
Se
o governo quer mesmo falar sério sobre um pacto com os outros entes
federados em mobilidade urbana, terá que fazer mais do que dar mais um
subsídio ao diesel. Precisa realmente investir pesado nessa área. E será
preciso escolher o que é mais importante.
A presidente Dilma
disse que serão feitos investimentos de R$ 50 bilhões. Mas faltou dizer:
onde, em que projetos, em quanto tempo, quais serão as prioridades, e
de onde sairá o dinheiro? Se não responder isso, está jogando números ao
vento. Mais uma vez.
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