No
esforço concentrado para tentar dar uma resposta aos manifestantes que
tomaram as ruas do país no últimos dias, o Senado aprovou ontem, em
votação simbólica e com a concordância de todos os partidos, o projeto
de lei que torna a corrupção crime hediondo e que estava tramitando na
Casa desde 2011. A votação, patrocinada pelo presidente da Casa, Renan
Calheiros (PMDB-AL), ocorreu no mesmo dia em que o Supremo Tribunal
Federal (STF), numa decisão inédita, determinou a prisão de um
parlamentar, o deputado federal Natan Donadon (PMDB-RO).
Apresentado
pelo senador Pedro Taques (PDT-MT), o projeto prevê que os delitos de
peculato, concussão (extorsão), excesso de exação (cobrança indevida de
dívida ou tributo), corrupção passiva e corrupção ativa sejam
considerados crimes hediondos. Uma emenda do senador José Sarney
(PMDB-AP) incluiu o homicídio simples no rol de crimes deste tipo.
A
proposta precisa ser aprovada agora pela Câmara, onde o presidente
Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), já antecipou que pretende votar o mais
rapidamente possível.
Manifestantes gritaram "Fora Renan"
Durante
a votação do projeto, um pequeno grupo de manifestantes - do grupo
maior que protestou do lado de fora do Congresso, ontem - teve acesso ao
Senado e acompanhou o processo no plenário. Depois de aprovado o
texto, Renan Calheiros recebeu os cerca de 15 jovens que prometeram
voltar hoje, às 18h, para apresentar uma pauta de reivindicações.
Enquanto isso, do lado de fora do Congresso, pequenos grupos de
manifestantes gritavam "Fora Renan, fora Renan". A frase também foi
inscrita no asfalto de um dos acessos ao Congresso.
Após
a votação, Renan, que deverá responder a processo no Supremo por
peculato, falsidade ideológica e uso de documento falso, fez breve
discurso, afirmando que o Legislativo está tentando entrar em sintonia
com a população:
-
O Congresso está fazendo um esforço muito grande. Como todos sabem,
aqui no Brasil e no mundo todo, nos parlamentos, há algumas unanimidades
estáticas e nós precisamos aproveitar esses momentos para removê-las.
Nós estamos tentando fazer isso. Foi um dia importante, o Senado está
mostrando que está querendo levar adiante essa agenda propositiva. O
Congresso é a representação do povo e tem que estar sintonizado
verdadeiramente com as ruas.
O presidente nacional da OAB, Marcus Vinicius Furtado, elogiou a aprovação do projeto:
-Transformar
a corrupção em crime hediondo sinaliza bem para sociedade. Mesmo
considerando que, para o combate ao crime, a aplicação da pena é mais
importante que o seu aumento, entendemos que o Senado agiu interpretando
o sentimento da sociedade neste momento.
Além
de incluir esses delitos no rol de crimes hediondos, o projeto aumenta
as penas previstas no Código Penal para os mesmos crimes, que poderão
variar agora de quatro a doze anos. Hoje, as penas variam de dois a
doze anos. O texto terá de passar pelo crivo dos deputados federais e
depois deverá ser sancionado pela presidente Dilma Rousseff.
Quase um ano fora de pauta
O
relatório pela aprovação do projeto foi apresentado pelo senador
Álvaro Dias (PSDB-PR) há quase um ano, mas, só agora, após a pressão
popular contra a corrupção, o Senado decidiu pautar o tema. Em seu
relatório, Álvaro Dias explica que a inclusão desses delitos no rol dos
crimes hediondos tem várias implicações: veda a concessão de anistia,
graça e indulto ao agente que cometeu o crime; impede o livramento
mediante fiança; e torna mais rigoroso o acesso a benesses penais, como
livramento condicional e progressão do regime de pena. O senador
tucano ainda incluiu na proposta original os crimes de peculato e
excesso de exação:
-
O resultado de tais crimes tem relevância social, pois pode atingir,
em escala significativa, a depender da conduta, grande parcela da
população. Com efeito, a subtração de recursos públicos se traduz em
falta de investimentos em áreas importantes, como saúde, educação e
segurança pública, o que acaba contribuindo, na ponta, para o baixo
nível de desenvolvimento social.
De
acordo com o projeto, a pena por concussão - crime que consiste em
usar o cargo público para exigir vantagem indevida para si ou para
outra pessoa - passa a ser de quatro a oito anos de reclusão e multa. A
pena por corrupção passiva - solicitar ou receber vantagem indevida em
razão da função assumida - aumenta para reclusão de quatro a doze anos
e multa.
Para
corrupção ativa - oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário
público para levá-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício -
também passa a ser de reclusão de quatro a doze anos e multa. Mesma pena
para o crime de peculato, que consiste em se apropriar o funcionário
público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou
particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em
proveito próprio ou alheio.
A
pena passa a ser de quatro a oito anos, mais multa, para excesso de
exação, que ocorre quando o funcionário exige tributo ou contribuição
social indevido, ou, quando devido, emprega na cobrança meio vexatório
ou gravoso, que a lei não autoriza.
Para autor do projeto, pena atual é branda
Para
Pedro Taques, autor da proposta, o principal objetivo da medida é
proteger os bens dos cidadãos. O senador ressaltou que é preciso
perceber a gravidade dos crimes que violam direitos difusos e que
atingem um amplo espectro da população. Taques afirmou que, atualmente, a
legislação atribui pena branda para esses crimes, como se fossem
delitos de baixa gravidade. Para ele, políticos devem ser atingidos pela
medida.
-
No crime de corrupção, você não pode identificar quem são as vítimas. A
ideia é protegê-las por meios jurídicos (incriminando os corruptores).
Mas, para isso, precisamos que os processos caminhem mais rapidamente,
até para a absolvição de quem não tem nada a ver com isso - afirmou
Taques. - O político será afetado por essa mudança na lei, porque,
apesar de não ser a quantidade da pena que impeça o cometimento de
crime, esse é um dos caminhos.
Outra
emenda acrescentada ao projeto aprovado é de autoria do senador
Wellington Dias (PT-PI) - a emenda aumenta em um terço o período de
reclusão da pena para peculato nos casos em que o crime for cometido por
"agente político" ou "membro de carreira de Estado".
Ficou para os próximos dias votação de outros projetos anunciados por
Renan na tarde de anteontem, não só como uma resposta aos movimentos de
ruas, mas também como contraproposta à agenda definida pela presidente
Dilma na reunião com governadores e prefeitos, segunda-feira no
Palácio do Planalto. Entre eles, o projeto que estende o conceito de
Ficha Limpa para os funcionários do Executivo Federal. O projeto do
passe livre para os estudantes, de acordo com Renan, foi assinado por
praticamente todos os senadores e seu requerimento de urgência será
votado hoje.
Fonte: Jornal O Globo
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