Um estudo elaborado por analistas de finanças e controle da Secretaria
do Tesouro Nacional, vinculada ao Ministério da Fazenda, estima que pelo
menos 40% dos recursos gastos pelas prefeituras brasileiras no ensino
fundamental são desperdiçados, seja por corrupção ou ineficiência da
máquina pública.
Publicado na página do Tesouro na internet, com a ressalva de que
expressa a opinião dos autores e não necessariamente a do órgão, o texto
diz que os recursos disponíveis são mais do que suficientes para o
cumprimento das metas do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
(Ideb). Logo, o problema dos municípios seria a má gestão e não a falta
de dinheiro.
De acordo com o levantamento, 4,9 mil municípios destinaram R$ 54
bilhões por ano ao ensino fundamental, no período de 2007 a 2009, sendo
que R$ 21,9 bilhões teriam sido desperdiçados, na estimativa mais
modesta.
A conclusão atiça o debate sobre a necessidade de mais investimentos no
ensino. O Senado está para votar projeto de lei do novo Plano Nacional
de Educação (PNE) que propõe aumentar o gasto público com ensino para
10% do Produto Interno Bruto (PIB, soma de bens e serviços produzidos no
país, num ano), ao longo dos próximos dez anos. Em 2011, o gasto estava
em 5,3% do PIB. A briga em torno do aumento do percentual trava o
projeto, que chegou à Câmara dos Deputados em dezembro de 2010.
As 4,9 mil prefeituras analisadas no estudo correspondem a 88% do total
de cidades no país. De um lado, o estudo olhou o Ideb municipal,
indicador do Ministério da Educação que sintetiza o nível de
aprendizagem e aprovação dos estudantes brasileiros. De outro, verificou
o tamanho do gasto de cada prefeitura com o ensino fundamental.
Ao comparar as duas colunas, os autores identificaram cidades que
conseguem fazer mais com menos, isto é, onde Ideb atinge níveis
proporcionalmente altos em relação ao montante investido. Esses municípios serviram de referência para os demais. Assim,
prefeituras que gastaram proporcionalmente mais para cada ponto do Ideb
receberam o carimbo de ineficientes. E a parcela de gasto a mais de cada
prefeitura, na comparação com os municípios mais eficientes, foi
classificada como desperdício de dinheiro.
Valendo-se de fórmulas econométricas, os autores concluíram que pelo
menos 40,1% dos recursos foram desperdiçados, percentual que pode chegar
a 47,3%, conforme a metodologia.
Para compensar diferenças socioeconômicas entre os municípios, uma outra
variável foi levada em conta: a escolaridade das mães de estudantes. A
premissa é de que cidades onde as mães têm menor escolaridade precisam
de maiores investimentos. E vice-versa. Naercio Menezes Filho, economista especializado em Educação e professor
do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), afirma que mais dinheiro
para a Educação não significa necessariamente melhoria da qualidade do
ensino. Ele elogiou a rede pública de Sobral, no Ceará, que conseguiu
avançar no Ideb com um ligeiro acréscimo de recursos:
- A gestão é tão importante quanto o volume de recursos - disse Naercio. Sobral é uma cidade cujo modelo educacional inspira programas do MEC, como o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa.
O Texto para Discussão número 15, de 2013, é assinado pelos analistas
Janete Duarte, Sérgio Ricardo de Brito Gadelha, Plínio Portela de
Oliveira e Luis Felipe Vital Nunes Pereira, além da professora da
Universidade de São Paulo (USP) Fabiana Rocha, que prestou consultoria
ao Tesouro.
"Os resultados indicam que o desperdício de recursos é expressivo para
qualquer agrupamento de municípios definido pelo tamanho da população",
escreveram eles. "O gasto efetivamente realizado é muito maior do que o
gasto mínimo necessário para atingir as metas. Mesmo quando são feitas
simulações a partir do estabelecimento de metas mais duras, fica claro
que a restrição não é a escassez de recursos."
Tesouro critica o estudo
Procurado anteontem pelo GLOBO, o Tesouro informou, inicialmente, que
não se pronunciaria sobre o estudo, já que o texto expressa a opinião
dos autores e não necessariamente a do órgão, como consta na própria
publicação. De acordo com o Tesouro, os autores também não se
manifestariam, porque tudo o que teriam a dizer já estava publicado.
Ontem, porém, o Tesouro mudou de ideia e se posicionou sobre o tema,
criticando o estudo: "(...) A STN discorda dos resultados obtidos que
apontam excesso de recursos. A política do governo federal, em parceria
com estados e municípios, e focada na ampliação e na melhoria da
qualidade do ensino básico do país, leva em consideração um complexo
sistema de variáveis que o estudo apresentado não considera. Qualquer
simplificação sobre a qualidade do gasto nessa área pode levar a
conclusões equivocadas e não amparadas pelos resultados aferidos pelo
Ministério da Educação", diz o Tesouro por e-mail.
A STN informou também que uma portaria do governo que regulamenta a
série de Textos para Discussão proíbe os autores de falarem diretamente à
imprensa, sem a intermediação da assessoria do Ministério da Fazenda.
Fonte: Jornal O Globo.
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