Ameaça à Ficha Limpa

As recentes reações às manifestações, que nascem nas redes sociais e tomam as ruas, fazem soar o sinal de alerta. Corremos o risco de perder a oportunidade do respaldo popular para fazer o ajuste do Estado e da política, modernizando todos os setores de nossa atividade econômica, fazendo o país entrar em outro ritmo de desenvolvimento. Tamanha mobilização nos sugere e permite avançar com modelos de transparência, meritocracia, redução de prazos, redução de custos e a criação de instrumentos para o monitoramento social dos compromissos renovados em cada eleição.

A reforma política poderia ser um bom começo. Mas, longe de repensar o funcionamento do Estado, rever o pacto federativo, reduzir a burocracia, aproximar a relação sociedade-Estado, nossos parlamentares sugerem apenas uma reforma eleitoral com ideias que pouco mudarão o sistema. Poderiam ao menos aprovar o voto distrital, que aproximaria eleitores de eleitos, dando mais poder ao povo para influenciar as decisões dos parlamentares durante seus mandatos.

Para piorar a situação, corremos risco de perder o que já conquistamos. O grupo de trabalho da reforma política é coordenado e composto por alguns dos deputados que no início de junho último se reuniram para reduzir a abrangência da inelegibilidade de políticos condenados, garantida pela Lei da Ficha Limpa. Entre outras mudanças, pretendiam mudar a Lei para que as decisões dos Tribunais de Contas precisassem ser referendadas pelo Judiciário ou pelo Parlamento para bloquear candidaturas de políticos com contas tecnicamente rejeitadas. Também estava em pauta a proposta de reduzir o tempo de inelegibilidade de políticos condenados pelos crimes cometidos.

Naquela ocasião, o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), que conquistou milhões de assinaturas para o projeto de criação da Lei da Ficha Limpa, divulgou nota de repúdio. O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Carlos Ayres Britto reprovou a proposta de alteração: "As Câmaras (legislativas) não emitem juízo técnico. A decisão das Câmaras é de conveniência e de oportunidade. Obedece a critérios exclusivamente políticos. Do ponto de vista da depuração ética dos costumes político-administrativos, acho um lamentável retrocesso. Do ponto de vista da pura juridicidade, é um tremendo equívoco." A imprensa denunciou a manobra, e os deputados recuaram.

Em 2012 a Lei da Ficha Limpa deixou sem mandato milhares de candidatos e políticos ficha-sujas. Muitos deles nem se atreveram a disputar o pleito. Foi um avanço que não podemos permitir retroceder.

Fiquemos atentos para cobrar e garantir o que já conquistamos, pois os mesmos parlamentares que atuaram em junho para reduzir a abrangência da Ficha Limpa podem aproveitar o momento desses ajustes e aprovar novas regras eleitorais que afastarão mais ainda os políticos dos interesses da sociedade.

Fonte: Jornal O Globo

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