Se tudo se resumir a uma questão de coerência, o ministro Celso de
Mello desempatará a favor dos réus mensaleiros o julgamento no Supremo
da admissibilidade dos embargos infringentes pela Corte. O ministro, na
fase de definição das sentenças, já admitira estes embargos para quem
obtivesse no mínimo quatro votos favoráveis, condição que permite um
outro julgamento, com novos relator e revisor.
A coerente história
de seriedade e conhecimento técnico do magistrado Celso de Mello,
decano do STF, o coloca acima de suspeições. Mesmo se ele vier a mudar
de posição, diante da argumentação dos cinco ministros que se
pronunciaram contra a possibilidade de outro julgamento para 12 dos 25
condenados no processo.
A situação criada pela redação da lei
federal 8.038, de 1990, que trata do processo penal no Superior Tribunal
de Justiça e no STF, sem se referir aos embargos infringentes, mantidos
no regimento da Corte, permitiu a divisão do Pleno do Supremo. Como, a
partir da Constituição de 1988, origem do STJ, o Supremo deixou de
legislar sobre seus ritos, e a função passou ao Congresso, a não
referência aos embargos na lei foi considerada uma revogação implícita
deste tipo de recurso. Mas não é pacífico o entendimento, como se viu no
STF. Pior, como observou a ministra Cármen Lúcia em seu voto contra os
embargos, o fato de o STJ não prevê-los em seu regimento criará um
desequilíbrio no sistema jurídico, caso eles passem a vigorar do STF:
governadores, cujo foro privilegiado é o STJ, não contarão com este
recurso, ao contrário de deputados federais, senadores e presidente da
República, julgados pelo Supremo. Criam-se regras diferentes a depender
do cargo, algo inconstitucional.
Há meandros de tecnicidades nessa
discussão. Mas, como da decisão de quarta dependerá o veredicto final,
por alguns crimes, dos petistas ilustres José Dirceu, Delúbio Soares,
José Genoíno e João Paulo Cunha, o voto de Celso de Mello tem um alcance
para muito além dos compêndios jurídicos. Por isso, na última sessão,
ouvir ou não as “ruas” foi um tema que dividiu juízes. De fato, julgar
preocupado com as multidões não é função do Judiciário. A América Latina
reúne histórias de crises institucionais derivadas do populismo
jurisdicional, seguido para agradar as massas.
Mas não é este o
caso do mensalão, um processo que tramita há sete anos, tendo sido
garantidos amplos direitos de defesa e do contraditório, e no qual as
condenações se fundamentaram num trabalho profundo e intenso dos
ministros e do MP. Trata-se apenas de se ter a consciência de que se
coloca em jogo, amanhã, a credibilidade angariada pelo Judiciário junto à
população, graças a um julgamento até aqui conduzido pelo Supremo de
maneira irretocável. Foi quebrada, pelo menos até agora, a antiga e
corrosiva ideia de que ricos e poderosos aristocratas são intocáveis.
No pano de fundo da sessão de amanhã está a certeza de que sem um Judiciário respeitado não há democracia estável e consolidada.
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