União banca dívida extra de Estados

O Ministério da Fazenda tem recorrido a uma brecha legal para permitir que Estados sem condições seguras de tomar novos empréstimos, segundo avaliação do Tesouro Nacional, não só assumam novas dívidas como também tenham a União como fiadora dessas transações, após o ministro Guido Mantega dizer se tratar de uma "exceção". Em um ano, o valor avalizado pelo governo em casos "excepcionais" soma R$ 4 bilhões.

Mas o que era excepcional está virando regra. Segundo levantamento feito pelo Estado em todos os contratos de um ano para cá, a manobra beneficiou cinco Estados que receberam a nota C da Fazenda, ou seja, com "situação fiscal muito fraca e risco de crédito muito alto", em uma escala que varia entre A e D.

Um exemplo concreto é o caso do Estado do Rio de Janeiro. O governador Sergio Cabral pediu a bancos estrangeiros cerca de R$ 1,3 bilhão e precisava do aval da União. O Tesouro fez as contas da capacidade da pagamento e deu a ele nota C-, que significa uma operação arriscada. Mesmo alertado do risco por sua equipe técnica, o ministro Guido Mantega considerou que o caso merecia uma exceção e autorizou a concessão da garantia. De lá, o pedido foi encaminhado e aprovado no Senado - historicamente, os parlamentares nunca se opõem.

A portaria 306/2012 prevê que nas situações em que o contratante obtiver as notas C ou D, a garantia do governo federal somente pode ser concedida se o titular da Fazenda "excepcionalize" o caso.

Esqueletos. Especialistas indicam dois pontos que podem gerar problemas para a saúde financeira tanto de quem pega o dinheiro quanto de quem avaliza. Um é a criação dos chamados "esqueletos", ou seja, dívidas que estão sendo contraídas agora mas que serão pagas somente por governadores futuros. Outra questão é o risco de calote. Se o Estado que contraiu o empréstimo não honrar seus compromissos, caberá aos cofres federais arcarem com o prejuízo. De acordo com a lei, nesses contratos já ficam acertadas as contragarantias e, se não pagar, a União pode executar a dívida e cortar qualquer tipo de repasse ao devedor, como Fundo de Participação dos Estados e arrecadações fruto do ICMS. O Tesouro registra em seus arquivos episódios de calote.

O pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (IBRE/FGV) Gabriel Leal de Barros alerta: "O risco é que, se esses empréstimos não se reverterem em investimentos capazes de gerar receitas lá na frente, a situação pode realmente se complicar. O risco maior dessas operações excepcionalizadas é para o Tesouro Nacional, que é o fiador da dívida".

Razões. Parlamentares e especialistas ouvidos na reportagem apontam a hipótese de motivação política para a concessão de tantas garantias de crédito mesmo para quem não está com imagem de bom pagador, ao menos perante a equipe técnica do Tesouro, que é quem faz as contas e dá nota aos Estados. "Como o orçamento da União está muito engessado, essa flexibilização pode ser o reconhecimento da União de sua incapacidade de realizar investimentos, então ela transfere para os Estados a realização especialmente em infraestrutura", afirmou Gabriel Leal de Barros, da FGV.

Para o consultor Felipe Salto, da Tendências, "esta situação é uma consequência do excesso de desonerações com chapéu alheio e da piora do fluxo dos impostos das receitas próprias dos Estados". O senador Walter Pinheiro (PT-BA) concorda com a avaliação do economista. "Essa flexibilização promovida pelo governo é uma maneira de dar fôlego a Estados e Municípios, já que estamos passando por um momento de crise. De certa forma, o governo faz uma compensação pelas isenções patrocinadas, como o IPI. (As concessões) não são perigosas se o Tesouro Nacional estiver medindo para que esses limites não estourem." O senador Pedro Taques (PDT-MT) é um dos maiores críticos no plenário a essas exceções. "Essa flexibilização pode ser de cunho político eleitoral. O governo está abrindo uma porteira por onde pode passar muita coisa que não se deve. Por isso devemos discutir reformas", afirmou.

Em setembro do ano passado, o Tribunal de Contas da União (TCU) concluiu uma pesquisa semelhante à realizada pelo Estado, porém referente a um período anterior. A averiguação demonstrou que em 2011 e 2012, a Fazenda havia concedido esse mesmo tipo de garantia a Estados com classificações C e D para empréstimos estrangeiros em valores que passaram de R$ 8 bilhões.

Depois disso, o TCU determinou, em maio deste ano, que o Ministério da Fazenda passe a publicar no Relatório de Gestão Fiscal um quadro específico que apresente de forma individualizada as garantias concedidas aos entes cuja capacidade de pagamento são categorizadas como C e D.

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