Criação de novos municípios pressiona despesas públicas

O Senado aprovou ontem mais um daqueles projetos que superam todas as etapas de tramitação em relativo silêncio, ganham corpo, todos criticam quando chegam finalmente à fase aprovação pelo plenário, mas acabam aprovados.

Foi o que aconteceu ontem com o substitutivo da Câmara dos Deputados ao Projeto de Lei do Senado 98/2002, que muda as regras para a criação, fusão, desmembramento e incorporações de municípios. Pelo projeto aprovado, que segue agora para a sanção presidencial, o requerimento para a instalação de novos municípios deverá ser encaminhado para as assembleias legislativas, assinado por 20% dos eleitores da área afetada, no caso de criação ou desmembramento, ou por 10% no caso de fusão ou incorporação. Será necessário estudo de viabilidade econômico-financeira, político-administrativa, socioambiental e urbana. Superadas essas exigências, a mudança ainda terá que ser aprovada em plebiscito.

Por trás das informações técnicas, porém, é que mora o perigo. De acordo com reportagem publicada pelo Valor na segunda-feira, cálculo considerado "modesto" por um governista estima que a nova regra vai criar 180 municípios, que vão gerar quase 30 mil cargos. A conta é simples: 360 prefeitos e vice-prefeitos; cem empregados por prefeitura, em média, somando 18 mil; dez vereadores por cidade, totalizando 1,8 mil; 5,4 mil funcionários de gabinetes; e mais 1,8 mil administrativos para as câmaras municipais. "Um verdadeiro trem-bala da alegria", disse o parlamentar.

O relator do projeto, senador Valdir Raupp (PMDB-RO), não acredita na criação de tantos municípios, mas prevê fusões, o que significaria uma improvável redução de cargos públicos, vereadores e prefeitos. Argumenta que a União não terá aumento de gastos porque os municípios é que terão que dividir os custos, o que parece mais improvável ainda.

Existem 5.563 municípios - metade deles surgiram nos últimos 15 anos. Durante o encaminhamento do assunto, ontem, o senador Flecha Ribeiro (PSDB-PA) estimou em cerca de 40 o número de distritos do seu Estado que podem se emancipar e a senadora Lídice da Mata (PSB-BA), cerca de 20 no seu.

Depois da Constituição de 1988, os municípios ganharam maior participação no bolo da arrecadação. Quando a Constituição foi promulgada, tinham 10,8% do total; em 2010, passaram a 18,3%. As duas principais receitas dos municípios são repasses da União (o Fundo de Participação dos Municípios, FPM) e do Estado, do ICMS. Perderam espaço no bolo os Estados, cuja fatia passou de 26,9% para 25,1% e, principalmente, a União, que recuou de 62,3% para 56,6%.

Desde a crise internacional, porém, as finanças públicas vêm passando por momentos ruins. Estudo do economista e geógrafo François Bremaeker, da Associação Transparência Municipal, mostra que as desonerações de impostos feitas pelo governo para estimular a economia tiveram impacto considerável no FPM, que é a receita mais importante para 80% dos municípios.

De 2008 a 2012, segundo o economista, o FPM cresceu 29,8% enquanto o salário mínimo, principal despesa dos municípios, foi reajustado em 49,9%. O desempenho do ICMS variou conforme o Estado e, em alguns deles também foi afetado pela guerra fiscal. No período, calculou Bremaeker, o ICMS cresceu em média 49,5% e praticamente empatou com a variação do mínimo.

Não é por outro motivo que, desde o ano passado, o governo federal não pode contar com a ajuda dos municípios e também dos Estados para atingir a meta de superávit primário. Em 2012, Estados e municípios só fizeram metade do superávit combinado e neste ano caminham para o mesmo resultado, ou pior. Nos 12 meses acumulados até agosto, somaram um resultado primário de 0,41% do PIB, praticamente metade do 0,95% esperado para o ano. Os Estados contribuíram com 0,31% e os municípios, só com 0,09%.

Em 2012, o governo central teve que compensar o superávit não produzido por Estados e municípios com um esforço extra, como está na legislação. Neste ano, pediu dispensa ao Congresso para não cobrir a diferença que, no momento, está perto de R$ 30 bilhões. E já tomou providências para não ficar com a responsabilidade também em 2014.

A atual situação fiscal é totalmente inadequada à criação de despesas desnecessárias. No final, a conta acaba caindo, como sempre, no colo da União.


Fonte: Jornal Valor Econômico.

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