Não há esperança de que o mais recente e ruinoso ataque à Lei de
Responsabilidade Fiscal possa ser contido — pelo menos no Congresso.
Apresentada na forma de projeto de lei complementar, o de nº 238, a
troca de indexador das dívidas estaduais e municipais federalizadas a
partir do fim da década de 90, acompanhada da perigosa, e contrária à
própria LRF, retroatividade dos efeitos da mudança, passou sem problemas
pela Câmara, na penúltima semana de outubro, e receberá, é claro, o
carimbo do Senado.
É da tradição pátria o apoio à gastança
pública, mais ainda em período eleitoral. Não é uma alteração
corriqueira, porque, ao permitir a retroatividade na aplicação do novo
indexador — Selic ou IGP, o que estiver mais baixo, e juros de 4% —, na
prática governo e Congresso avalizam a renegociação de uma dívida já
renegociada, liberalidade proibida pela LRF.
Proibição necessária,
pois, não se deve esquecer, a Lei de Responsabilidade Fiscal, de 2000, é
parte crucial do processo de ajuste da economia, iniciado com o Plano
Real em 1994, no governo Itamar Franco.
Vencida a hiperinflação,
cujos efeitos eram dissimulados pela correção monetária — que acelerava
ainda mais os preços, num círculo vicioso infernal —, passou a ser
imprescindível ordenar o lado fiscal da economia, cujo desarranjo
funcionava como motor de propulsão da própria hiperinflação. Eis o
porquê da proibição de nova renegociação.
A lei é considerada sob
medida para a prefeitura de São Paulo, controlada pelo PT, não só devido
às precárias condições financeiras da cidade, mas pelo fato de a
simples aplicação dos novos índices abater a dívida do município em
aproximadamente R$ 16 bilhões.
Isso abre espaço para o prefeito
Fernando Haddad endividar-se, encher os cofres e ser um cabo eleitoral
de peso na luta do PT pelo Palácio dos Bandeirantes ano que vem.
Quanto
ao princípio da responsabilidade fiscal, às favas com ele. Como mostrou
reportagem de ontem do GLOBO, o projeto de desmonte da LRF é paulatino,
se processa em etapas.
Duas delas: a partir de 2007, os repasses
federais para obras do PAC em estados e municípios passaram a driblar a
exigência da lei para que qualquer transferência deste tipo só seja
realizada para ente federativo em dia com as contas; dentro da mesma
visão, a Lei de Diretrizes Orçamentárias para o ano que vem, da eleição,
estabelece que o certificado de “nada consta” de estados e municípios
passa a ter a validade de 120 dias.
Toda esta implosão em câmera
lenta da LRF esconde uma visão ideológica de condução da economia e da
sociedade que prioriza o papel do Estado. Qualquer política dirigista,
estatista, não convive bem com legislações disciplinadoras. Este é um
projeto que vem sendo executado a partir do segundo governo Lula. No
momento, queima etapas.
Fonte: Jornal O Globo
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