A fragmentação partidária, vista por muitos, inclusive eu, como uma
das características mais deletérias de nosso sistema político-eleitoral,
é defendida por Marcus André Melo, professor de Ciência Política na
Universidade Federal de Pernambuco, e Carlos Pereira, professor de
Políticas Públicas na Fundação Getulio Vargas no Rio, como um
instrumento de inclusão democrática e fórmula de se contrapor a um
Executivo poderoso, posição consolidada no DNA do sistema político
brasileiro.
Eles publicaram sua tese pela Palgrave/Macmillan no livro, por enquanto só em inglês, “Making Brazil work – Checking the president in a multiparty system”, que será lançado no dia 18 num debate na Fundação Getulio Vargas no Rio.
Nele,
registram que as opções que surgiram para derrotar esse sistema não
vingaram ao longo da História, referindo-se à tentativa do PSDB de
aprovar o voto distrital misto e as cláusulas de barreira para a atuação
dos partidos no Congresso.
Ontem, no lançamento do seu livro “O
improvável presidente”, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso voltou
a defender esses instrumentos “para aproximar o eleitor do eleito”,
referindo-se à reforma política como essencial. Ao contrário, a
fragmentação de partidos, para os autores, garante um sistema
extremamente inclusivo, hiper-representativo.
“Claro que isso gera
dificuldades governativas, fisiologismo”, ressalta Carlos Pereira, que,
no entanto, não tem receio de afirmar que partidos políticos no Brasil,
e nos presidencialismos multipartidários, não são fonte de agregação de
preferências ideológicas. “Nosso sistema não comporta preferências
retilíneas, ele é concebido para acomodar as diferenças”.
Para que
essas alianças heterodoxas tenham certo grau de coesão e disciplina, é
necessário que o presidente use instrumentos capazes de atrair esses
partidos. Pereira lembra que logo no início do primeiro governo de
Fernando Henrique seus assessores perceberam que vários parlamentares
tinham conexões em alguns ministérios, partidárias ou regionais, e
aprovavam projetos independentemente, e, mesmo fazendo parte da base,
poderiam votar contra o governo no Congresso.
Foi criada então uma
Secretaria ligada à Casa Civil que cuidaria dos acordos com o
parlamento. “Ela deu uma grande capacidade de gerência para o Executivo,
e a ferramenta para executar essa política foi o contingenciamento do
orçamento. Assim, o Executivo pode identificar qual a preferência
revelada pelo legislador ao fazer suas emendas, bem como o comportamento
nas votações no Congresso”.
A discussão que pode haver, lembra
Pereira, é sobre a transparência desse procedimento, que a sociedade
pode identificar como um jogo sujo, de toma lá dá cá. “Se você
institucionaliza essas moedas de troca, torna claro o que é negociável,
diminui as margens de comportamentos oportunistas”, avalia Pereira.
O
mensalão, na sua opinião, foi um desvirtuamento desse processo. Lula
fez uma coalizão heterogênea com muitos atores, e não compartilhou o
poder. O PMDB tinha o mesmo peso do PT e só teve dois ministérios no
início do governo, quando o PT tinha 21. “Cedo ou tarde os partidos que
não foram recompensados iriam inflacionar o preço do apoio”, analisa.
Houve
uma progressiva inflação do preço do apoio, principalmente quando o
governo assumiu uma agenda de reformas constitucionais pesadas, e todos
os recursos só estavam sendo gastos com o PT. O governo teve então que
descobrir novas moedas de troca, e o dinheiro não contabilizado de
Delúbio Soares é chamado no livro de “moedas heterodoxas de recompensa”.
Só
que esse, lembra Pereira, era um governo de coalizão, onde deveriam ser
construídas alianças estratégicas de longo prazo. Fernando Henrique
falou também sobre esse “presidencialismo de coalizão”, que se baseava,
segundo ele, em programas de reformas no seu governo, e hoje se
transformou em “presidencialismo de cooptação” para manter o poder.
Carlos
Pereira acha que como o PT é um partido com muitas facções internas e
que ficou fora do poder durante muito tempo, foi duro para Lula dizer
para o MST ou para a Convergência Socialista que tinha que dividir com o
PMDB o ministério. “Ele preferiu dizer sim para as facções internas e
não para os externos, que foram recompensados “de forma heterodoxa”.
Fonte: Jornal O Globo
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