Brasília - Como parte da reação do Ministério Público contra a resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que limita a atuação dos procuradores em crimes eleitorais nas eleições deste ano, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, protocolou ontem pedido de revisão da descisão. A resolução, aprovada em dezembro pelo TSE, proíbe o Ministério Público (MP) de requisitar diretamente à polícia a abertura de inquérito contra crimes eleitorais e estabelece que é preciso pedir essa investigação a um juiz eleitoral. Caso o TSE não volte atrás, a PGR adiantou que apresentará ação direta de inconstitucionalidade (Adin) para tentar derrubar a resolução. Ontem, entidades de procuradores aprovaram carta e moção de repúdio à resolução do TSE.
A reação acontece após a repercurssão negativa que é a aprovação da resolução teve entre integrantes do MP. Conforme o GLOBO antecipou, entidades representativas do MP se reuniram ontem para protestar contra a medida e anunciar ações para contestá-la. O Grupo Executivo da Função Eleitoral do Ministério Público Federal (MPF), composto por integrantes da instituição que atuam em eleições, publicou um abaixo assinado, em que afirma que "a restrição ofende diretamente a Constituição" e que teria "efeitos colaterais danosos".
Ação de Janot ao Supremo já está pronta
Dirigentes da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) e a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), que se reuniram à tarde no TSE com o vice-procurador-geral eleitoral, Eugênio Aragão, para pedir a derrubada da resolução, também publicaram nota de repúdio, alegando "ostensiva inconstitucionalidade".
- O procurador-geral da república (Janot), que é também o titular da Procuradoria Geral Eleitoral, já está convencido da inconstitucionalidade da resolução. A ação já está pronta, e vamos aguardar a palavra final do TSE para impetrá-la junto ao Supremo. A sede legal da iniciativa do MPF para requisitar inquérito é constitucional. Não se pode através de uma resolução, relativizar uma norma constitucional. Não vejo o risco de ocorrer a instauração de um inquérito na surdina, como sugeriu o ministro Dias Toffoli, em sua defesa da resolução - disse Aragão.
Quando a resolução foi aprovada, Toffoli, relator do texto, argumentou que a investigação desses crimes teria que ser requisitada ao juiz eleitoral e disse que não poderia "haver uma investigação de gaveta".
- Dizer que o órgão do Estado trabalha na surdina não é bom. Inventar uma autorização prévia para pedir Investigação só serve para fomentar mais conflito, é uma excessiva burocracia que tolhe o poder do Ministério Público e do Judiciário - reforçou Aragão.
A presidente em exercício do Conamp, Norma Cavalcanti, e o presidente da ANPR, Alexandre Camanho, frisaram que a resolução poderá pôr em dúvida a imparticalidade do juiz, porque ele terá de liberar sobre a mera instauração do inquérito, o que implicaria um julgamento prévio do caso pela autoridade que irá proceder ao julgamento. Isso geraria, para esses representantes do MP, insegurança jurídica, e poderia ocasionar recursos das vítimas interessadas na investigação e também dos infratores. Ambos viram na resolução uma tentativa de tolher os poderes de investigação do Ministério Público.
- Estamos convencidos da inconstitucionalidade dessa resolução e esperamos que seja rapidamente desautorizada pelo TSE ou pelo Supremo em prol da lisura nas próximas eleições. Uma eventual retaliação ao Ministério Público já foi vista no ano passado, e foi sepultada na instância política com a rejeição da PEC 37. Agora querem nos impedir de pedir investigação. O argumento é falho, porque não existe processo de gaveta na investigação de crime eleitoral, é tudo tornado público. Não podemos ser inibidos em nossa prerrogativa de fazer denúncias ligadas à corrupção, à compra de votos e outros crimes desse tipo - completou Norma.
TSE só volta a se reunir em fevereiro
A expectativa de Aragão é que o pedido de revisão seja analisado logo nas primeiras sessões do TSE, em fevereiro, dada a proximidade das eleições. Segundo o ministro Marco Aurélio Mello, presidente do TSE, a apreciação do pleito do Ministério Público só poderá ser feita em sessão plenária, a partir de 3 de fevereiro.
Segundo a resolução aprovada pelo TSE no apagar das luzes de 2013, nas eleições deste ano caberia somente ao juiz eleitoral determinar a abertura de inquérito para investigar suspeita de crimes como compras de votos, caixa dois e abuso de poder econômico, entre outros que configuram crime eleitoral.
Nos bastidores, integrantes do Ministério Público demonstram desconforto com a posição favorável adotada por Toffoli. Eles viram a resolução como uma tentativa de retaliação do PT contra o órgão, que vem sendo alvo de investidas, devido à sua atuação no processo do mensalão, que terminou com a condenação de diversos réus petistas.
Esses membros do Ministério Público recordaram que Toffoli foi subsecretário de assuntos jurídicos da Casa Civíl, quando José Dirceu era o Ministro da pasta; foi o advogado-geral da União no governo Lula e advogou para o PT durante anos, antes de ser indicado por Lula para o STF. Toffoli assumirá em abril a presidência do TSE e o comando das eleições deste ano. O GLOBO não conseguiu contato com o ministro nem com seus assessores.
Atual Presidente do STF foi contra resolução
Marco Aurélio Mello, único dos sete ministros da Corte que votou contra a resolução na sessão de 17 de dezembro do ano passado, afirmou ontem, após a reação do Ministério Público, que o texto conflita com o Código de Processo Penal e, portanto, não pode prevalecer. Para Marco Aurélio, uma reconsideração do TSE evitaria um "desgaste maior" no Supremo.
- Eu acredito no direito posto. A atuação do TSE, editando resoluções, não é a atuação como legislador, mas como órgão que regulamenta o direito posto pelo Congresso Nacional. No caso concreto, o Código de Processo Penal prevê que o inquérito pode ser instaurado de ofício, pela Polícia Federal, por requerimento de órgão judiciário ou pelo Ministério Público - destacou o presidente do TSE.
No dia da aprovação da resolução no TSE, Marco Aurélio ponderou:
- Eu entendo que é possível a Polícia Federal instaurar inquérito e também possível ser instaurado o inquérito por provocação do titular da ação penal, que é o Ministério Público. A meu ver, passa a ocorrer uma incongruência.
Fonte: Jornal O Globo
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